II
como escamas
é assim esse povo
superpondo-se: pobreza, tempo e ancestrais
ninguém sabe as pontes, as palhas
que cobriram os leitos
e incendiaram as esperanças, esse povo
que não está na carne, na rede
no gado magro que povoa o campo
e nos meninos mais magros que nada povoam:
que longo esse tempo, que longe o amor
e só uma testemunha curvada e remota
na palmeira nua
como escamas do povo: aqui não há
abundância de verde - e todo o arco-íris
é uma cor única no estar cinzento
inescapável
a linha do horizonte não tem fim:
nem começa o horizonte nesta fome de ser;
que destino implacável
se jogou aqui: uma haste
inútil como uma cerca ao vento: não temos
casa, apenas restos
de morte vegetal: não se povoará aqui
a vida
a não ser de ricos - e os ricos,
quem os conhece? que terra os viu, que legenda
alimentaram neste solo árido
com o suor de suas mortes?
o filho não verá o mar
como não viu o pai
nenhuma terra fértil: foram posseiros
de um simples trânsito
(se isso pode ser)
habitamos casas vegetais: nada perdura
além de um vento seco
e da morte periódica
não há uma pedra
que nos testemunhe, nem nós mesmos
testemunhamos: deixamos que nos vejam
e eles não se confrangem
há uma soleira para cada dívida:
não temos dúvidas nem certezas:
nem isso temos
esta é a porta por onde não passará:
foram feitas assim as tuas portas,
apenas símbolos
de uma coisa aberta
este é o teu gole quente
para dormir com sede
não terás a semente
e estará vazia
a tua rede
entre dois paus, ao céu aberto
armarás a espera e a esperança:
não te pertence o céu e nem a caça
te conhece: voltarás vazio
ao teu terreno de aluvião
no meio do mar que não existe
que pena não terem marcado em teu flanco
mesmo com fogo, um sinal de posse,
que te deixasse possuir o duradouro
das marcas de tua vida
dos sonhos de tua morte! |