Álvaro Pacheco

Holocausto
 
  
a carne e o sangue 
se dissolvem compõem 
as pedras o tempo 
a reencarnação. 

a carne e o sangue 
se deformam compõem 
a dor e o silêncio 
a noite e o perjúrio. 

a carne e o sangue 
se depredam na noite 
e compõem o dia 
no íntimo tormento. 

a carne oferece 
seu transe tomado: 
sacrifica o sangue 
e se ergue no símbolo. 

desse holocausto 
o depósito o muro 
das lágrimas de pedra 
no olho incansável. 

as pedras o símbolo 
cremados e unos: 
sou isso e vos dou 
minha carne, meu sangue. 

II 

minha carne meu sangue 
se dissolvem compõem 
minhas pedras meu tempo 
minha reencarnação. 

minha carne meu sonho 
se deformam compõem 
minha dor meu silêncio 
minha morte e perjúrio. 

minha carne meu sangue 
se depredam na noite 
e compõem o meu dia 
no íntimo tormento. 

minha carne ofereço 
meu transe tomado: 
sacrifico meu sangue 
e me ergo no símbolo. 

sou esse holocausto 
o depósito o muro 
das lágrimas de pedra 
no olho incansável. 

minhas pedras meu símbolo 
dissolvidos e unos: 
sou isso e vos dou 
minha carne meu sangue. 

III 

não dou minha alma 
sou duro por fora: 
perdi a raiz 
de minha ternura. 

os rumos tiraram 
o propósito do início: 
macia é a crosta 
e áspero o íntimo. 

não tenho a paixão 
sou frio e terrível: 
mas choro e destilo 
a morte do mundo. 

não dou o que posso 
nem tenho o que tinha: 
perdi o meu rumo 
sou o homem que somos. 

não sei essa alma 
perdi a palavra: 
domina-me a dor 
do termo final. 

meu quadro infinito 
do homem finito: 
não fiz nem desfiz 
meu rumo é meu spleen 
o karma infantil 
do homem maduro 
na porta da morte 
guardando o silêncio 
do seu holocausto.

 
                                                    Rio, 27/07/73
                                                                                   

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 Página editada por  Alisson de Castro,  Jornal de Poesia,  01  de  Julho  de  1998