Álvaro Pacheco

Lembrança e Memória
 
  
Tetos brancos, pedras translúcidas
memória: Cristo vestia-se de morto da Semana Santa
e ressurgia depois, nu, mais morto ainda
no esquife de vidro, santificado.

Substância da vida fluindo no mangueiral
e concentrada em pedrinhas coloridas
às vezes tesouros, às vezes bois e bichos
num imaginário curral.

Substância da morte correndo ao pé da noite
e homens discutindo a linguagem inimiga
num país bem próximo.

As matracas dobravam a tristeza.

Em volta, no átrio,
preparava-se a memória
sobrepelizes brancas e pés descalços
e por baixo de tudo os corações
nus e puros, porém condenados.

Ao meio-dia o silêncio se balançava nas redes
por onde escorria uma vida dolente
e na alma inquieta balançavam-se incubados
os tetos brancos, as pedras
e as plantinhas tenras
de um presépio sem futuro.

A alto de serra, suas macambiras,
suas palmas e seus cascalhos
numa água cristalina:
as moças se banhavam livres
em seus desejos e nas visões do menino.

Um trajeto difícil volta a esta lembrança
de um tempo restrito de sol e de inverno
fabulações intensas e buscas improváveis
em linguagem seca que não tem memória.

 
                                                    Rio, 27/7/1971
                                                                                   

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 Página editada por  Alisson de Castro,  Jornal de Poesia,  01  de  Julho  de  1998