Álvaro Pacheco

Poema em Oito Movimentos
 
  
1. O Homem

Que homem sou eu, ser abstrato
pisando caminhos nulos, atônito
e frenético, que asas
bato, que forças, que alento
e que esperança?

Que homem sou eu, de pele nua
sem nenhuma crença, de coração
constrito, que ninguém conhece?
E rota, que rotas
me traça o vento
por cima do alento
e além
do tumulto?
 

2. A Estrela

Procuro uma estrela palpável
de longos anos, imito
os antecessores e antepassados,
os sucessores e herdeiros, imito e procuro
uma esperança, pesquiso
o espasmo eterno.

Posso talvez conter-me
numa ânfora de prata
ou no respaldar de uma cama
onde acabei de morrer. Posso talvez
amar outra vez, mas,
e achar essa paixão
juvenil e absoluta?

3. O Caminho

Foram nulos os caminhos
todos os meus caminhos me trouxeram
mas não fui a lugar nenhum
e não estou aqui,
não estou no futuro
não estou nas alegrias
não estou nas posses frenéticas
da vida absoluta, não estou
nada, à minha frente
se estendam os caminhos de uma cidade perdida
caminhos mortos
preparados por deuses absurdos
e homens
ainda mais absurdos.

4. A Morte

Vou morrer afinal
e que absurda
a morte, que absurda
e minha morte, que absurda
e inaceitável, preciso fugir
para algum lugar da morte
inacessível.

Tenho um filho, mas poderia
ter um tentáculo a mais
e não ser apenas
uma espera, um sonho, um sofrimento,
pesadelos indecifráveis
como esta solidão múltipla
velando e possuindo
como a amante final.

Abro-me numa estrada de pedra
e sinto os passos e os ecos
dentro de mim - passaram gerações,
mas nada
foi gerado eternamente.

5. O Instante

(E, um instante, um dia, houve um instante
intenso - e não consegui mantê-lo
não consegui
conservar a eternidade.)

6. A Pesquisa

Traço
um mapa impossível
e continuo a buscar
implausíveis tesouros
e impossíveis descobertas.

Procuro
adjetivos precisos
e o verbo exato
mas a sintaxe
é absurda, não conhece
a vida.

A vida é pleonástica
e tudo se repete
(menos esse amor
e os tesouros momentâneos).

Tudo se repete
menos a vida
que se quis viver.

E temos de repetir
até mesmo as derrotas
que só nós sabemos, e temos
de sustentar o orgulho
(esse orgulho vão
de existir).

(Apenas sombras
de uma vida real, apenas
seres arqueológicos
a huri do Profeta
e alguns olhos, nem sempre verdes.)

Traço lendas em minha carne
e sendas em minha esperança.

7. O Sátiro

Sou um sátiro e um santo
e tenho as mãos úmidas de esperma
je vais jouir, je vais mourir, je vais
a tout à l'heure à morte clara
dos gozos opacos, dos momentos
orgiásticos, depurar o amor
de suas bases eróticas, de suas
implicações de sândalo e incenso.

(Elle se masturbait comme une vierge
sans savoir le secret
de l'amour et de la jouissance
sans limite.)

(Il y a une langue
pour l'amour
et nous ne la connaissons pas.)

Gasto células e orgias
consumindo plasmas imperfeitos
até que encontre e conserve um instante final
e completo.

8. O Fim

E agora
preparo-me, não sei onde serei
e a ascensão,
mas até que se gaste a pedra
se apague a estrada
e se esvazie a ânfora
estarei procurando e manterei
os meus tentáculos estendidos
para as estrelas, e nelas
as extremas mortes.

 
                                                                     Rio, maio de 1970
                                                                                   

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 Página editada por  Alisson de Castro,  Jornal de Poesia,  01  de  Julho  de  1998