Álvaro Pacheco

Comentário em Torno de Minha Vida
 
  
Eis o homem que cai mas o demerol não adormece
porque as camisas passadas esperam na gaveta
e é necessário vesti-las
como é necessário abrir os olhos
e revestir-se da indumentária cotidiana
e ir de pé, revoltado e seco, no meio da tormenta.
 

Eis o homem que não se adormece - 
(no) demerol e a dor são apenas possibilidades
porque é preciso pensar em amor e liberdade
e este é um pensamento lancinante
quando se está preso às possibilidades
da presença da morte.

Eis o homem que vacila, mas se ergue
para vestir as camisas passadas que esperam na gaveta
e superar a força da morte
e erguer-se verticalmente
para olhar as coisas de frente
e erguer-se horizontalmente
para olhar as coisas de baixo
e preparar-se outras vezes para
superar a dor e o demerol, o fácil e o difícil
e enfrentar de peito nu as camisas abertas
e de garganta seca o copo de sede
na força da vontade contra a força da morte.

 
                                                             Clínica Sorocaba, Rio, novembro de 1969
                                                                                   

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 Página editada por  Alisson de Castro,  Jornal de Poesia,  01  de  Julho  de  1998