Álvaro Pacheco

O Homem de Acrílico
 
  
O homem de acrílico
descansa suas placas e sinais luminosos
nas janelas da broadway — e contempla o trabalho
para retornar no dia seguinte - apaga-se a flama
e o suor míngua: escasso é o prato
onde se nutre a fome
de cada século — dão-lhe alimentos sintéticos
manchetes de jornal e um novo viaduto
por onde passar a fome ancestral.

Mas o seu desejo permanece nu
(de plástico) na idade nova.

Acenam-lhe com viagens siderais
e outros luminosos, mas escuro
é o que se opõe (dentro dele) —
e ele sente que há:

Há esperança, o sonho e outros instrumentos
de acrílico, da mesma matéria
que são os homens.


sobretudo o dilema
de continuar ou não, de ficar inconsciente
ou sentir no coração a marijuana, o ópio, a cocaína

do povo em discurso aberto
de sobreviver

e ele sente que há
sobretudo o problema da circunspecção
dos olhos fechados (dentro dele) ao coração


qualquer desperdício
não de acrílico, mas de carne viva,


o que não se consegue
como o amor total
ou a paixão absoluta, há

o acrílico e suas conseqüências plásticas (e plásmicas)
no coração do homem: o amor
de acrílico, plástico, a estender-se
sem abrigar o homem na caverna
de plástico, como a seda, leve mas duro
e frio, impessoal, sem dono
— e longe.


o que não se diz, o discurso
secreto, ininteligível
(mas aberto)
a outras matérias
que não o acrílico
puro
das manchetes de jornal, dos viadutos e da linguagem hermética
das incompreensões permanentes.

E haverá sempre
um homem acrílico
e seus sinais luminosos
que ninguém pode ler, as suas
inapreensões, as suas
infinitas esperanças
nas manchetes de jornal, nos viadutos
para o infinito além de toda a erótica
e do acrílico, além
da carne e da vida
de sua carne, homem, acrílico
plástico.

 
                                                             Rio, julho de 1968
                                                                                   

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 Página editada por  Alisson de Castro,  Jornal de Poesia,  01  de  Julho  de  1998