I
A mulher chamava-se “Muitas Lágrimas”
porque jamais havia chorado
nem amado qualquer homem
nem visto um filho morrer -
chamava-se assim,
como um guerreiro índio,
ou uma insonia interminável,
um pátio vazio, uma árvore morta.
A mulher
deitava-se nesse pátio
para esperar a chuva
e afuguentar os ventos
que poderiam dissipá-la.
Perguntaram-lhe: “De que lado
vem a morte?”. — “ Não tenho lágrimas,
— respondeu — por isso me chamo assim,
o pátio vazio
de homens e de filhos mortos, apenas
esperando a insônia
e a chuva sem os ventos
da dissipação”.
II
Chamavam- na “Muitas Lágrimas”,
mesmo os que jamais a viram
ou souberam de sua existência, e dela
tinham notícia pelas lendas dos pastores
e por alguns poetas perdidos
na inconsciência coletiva,
que sabiam
das lágrimas que ela nunca havia chorado
por nenhum homem que amara ou não
ou pelos filhos mortos, como um rio seco
que nasceu no deserto, correu pelo deserto
e jamais se acabou no mar, sem conhecer
o que era um rio, outro rio
ou um corpo úmido de mulher.
III
Como as inexistentes lágrimas
pavimento do pátio vazio
em desenhos hexagonais,
como esses da morte, visíveis apenas
aos olhos sem lágrimas, cansados de contemplar
a suposta piedade humana, em termos eróticos
a inutilidade do amor
e todos os filhos mortos
entre as muitas lágrimas. |