no tempo em que era fácil o teu sorriso
viajavas numa caravela impressa
num maço de cigarros vazio teu prazer mais simples
tinha o esplendor das grandes liturgias
e conseguias ver numa pedra azul
as mais incríveis magias, nesse tempo
as tuas lágrimas corriam pela face
mas não atingiam jamais teu coração:
não eram as marcas de um desacerto com o mundo
mas uma forma de lavar um rosto sujo de menino:
não esse sulco profundo que agora escorre noite e dia
e dói por dentro de cada célula indefesa
ao inevitável processo.
no tempo em que era fácil o teu sorriso
não havia máscaras em tua dramaturgia
e a ciência inteira se resumia em algumas frases
de um lirismo que sintetizava todo o conhecimento humano
que importava saber, nesse tempo
os paletós que usavas eram de teu pai, velhos como ele,
serviam apenas para andar na chuva
e eram grandes demais para a realidade de tua inocência:
tudo isso agora são formas e uniformes
fórmulas para os pobres de que dispões
mas não te fazem feliz: oh, como precisarias
talhar agora na madeira tosca uma frase de três palavras
e ressuscitar teus camonges e trancosos
para desvendar os mistérios que assaltaram depois
a tua natureza, os outros seres humanos
a essa implacável angústia que corrói o teu
lirismo
e nada consegue sufocar
nos subterrâneos de tua consciência.
pedem-te que sorrias
pedem-te presentes e abraços
pedem-te que a terra lhes seja leve
e te pedem para anular o peso das pedras
e que não chores, como fazes, em silêncio,
nenhuma lágrima de teu sangue:
mas te exigem dinheiro para cada coisa
e tu não entendes de nenhum preço:
como é possível? és o gênero humano e
não podes
modificar um ser gerado em rios de cascalhos
e que traz na carne um sistema de terras ardentes
e frutas verdes comidas na hora da colheita.
ah, que não te peçam o que não sabes mais,
que não te peçam
um feliz natal. |