CONCERTO DAS WALKYRIAS 
PARA O
ANIVERSÁRIO DE
EVA BRAUN 
 
  
  
         
"Três movimentos em uma longa fantasia. Um instrumento solista virtuoso
conduz, desenvolve e se desembaraça em cima de um tema, em contraponto
a um background orquestral, que representa um conflito ou uma competição
entre grupos de instrumentos de diversas qualidades tonais. O crescimento
da cadenza de acompanhamento reduz quase a zero, no final, a liberdade
de improvisação da solista." 
          
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"O ouvinte vai achando cada vez mais fácil identificar-se com as
dificuldades e triunfos do solista, em analogia com suas próprias
tentativas de abrir caminho na vida." 
  
  
          
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"O crescente poder do instrumento solista permite e provoca um acompanhamento
orquestral cada vez mais alto e envolvente." 
  
 A. Veinus - "The
Concerto" 
  
  
 
I
ALLEGRO
 
   
Eva Braun dança piruetas alegremente
de maiô, 
 como na piscina, no céu de Berchtesgaden 
 ao ritmo de produtos químicos revolucionários 
 para acabar com o sorriso. Eva Braun 
 se fotografa com a cão pastor austríaco 
 e experimenta um chapéu tirolês
azul - 
 pela porta de serviço do palácio
do Führer 
 ela sobe a escada dos fundos 
 por trás dos membros sorridentes do
Bundestag. 
   
 "Não tenho filhos, só os bem-amados 
 habitantes de Dachau, e um ou outro 
 sobrevivente de Dresden - sou, às vezes, 
 Geli Raubal e inspiro um minueto a Wagner 
 para dançar, à tarde, sob a
cachoeira 
 ou numa praça de Viena, como fazia 
 na pensão de moças da Bavária
- uma vida, disse Speer, 
 em seguida e na seqüência exata,
doméstica 
 e relaxada, sem nenhum erotismo." 
   
 "Que todos estejam preparados: 
 com os pés plantados na terra sagrada 
 se ajuntarão em torno de mim 
 crateras, bondes quebrados, soldados sem medo 
 marchas militares, músicas de igreja,
passos de ganso 
 e tambores frenéticos agitando as bandeiras 
 monumentalizadas para o desfile": o Führer 
 afaga as criancinhas e o cão pastor
austríaco: 
 EIN FÜHRER, EIN VOLK, EIN DEUTSCHLAND. 
  
   
 Em 3 de março de 1933, dia do aniversário, 
 Marta Engelman teve a primeira lição
de dança 
 embriagada pela unidade do povo alemão 
 e pelo filme Mädchen in Uniform de Dorotea
Wieck. 
 Mas agora esqueceu as canções
patrióticas 
 as lições de dança e
os filmes românticos: 
 por isso as SS, tomando-o por um judeu, nesse
dia, 
 assassinaram o crítico musical Willhelm
Schmid. 
   
 "Todas as janelas de Berlim postaram-se 
 em minha vida como um estreito pátio 
 embora ele sempre prometesse: "além
de Fräulein Braun 
 não levarei ninguém comigo:
Fräulein Braun e o cão": 
 a amante de um líder 
 tem de conformar-se a não ter amor, 
 só operetas ocasionais e quatro horas
de filmes por dia 
 na vida de subterrâneo da Côrte 
 no pequeno grupo abismal." 
   
 Amanhã, depois de amanhã e depois
de depois de  amanhã 
 os fatos estarão sendo verificados 
 minuciosamente por todos os destinos: 
 os campos tranqüilos e os campos de guerra 
 as barricadas e as barreiras das fronteiras: 
 o Papa a abençoar a Cavalaria Polonesa 
 contra as Divisões Panzer e os Stukas 
 correndo nos olhos mortiços do Gueto
de Varsóvia 
 ou ainda a terra desolada de homens nus 
 de mãos para cima carpindo seus cadáveres. 
   
 Eva Braun silente: 35 pílulas para dormir: 
 - "Tudo que eu queria agora era ficar doente 
 e não ouvir falar dele para sempre. 
 Por que nada acontece em minha vida? 
 Por que o demônio não acorda
para me levar 
 deste outro que atormenta tudo? Por que 
 o silêncio de gelo é assim no
olhar feroz? 
 Seria melhor 
 o demônio do fogo que o demônio
do gelo." 
   
 Geli Raubal, a garotinha, 
 já não é mais apenas
uma mucosa 
 e o orifício que a cerca, já
não é mais 
 uma imitação wagneriana do desejo
- foi substituída 
 nos passeios pelo campo e nas salas de Munique 
 e na certeza do suicídio: Juliano,
o Imperador, 
 cuida de seu efebo amado e dorme com ele 
 nas moedas e nas estátuas do Egito
- Geli Raubal 
 tem um busto de mármore no quarto da
morte 
 e, uma vez por ano, quatro horas de meditação 
 do Senhor dos Exércitos. Qual será
essa oração? 
   
 - "Ela se matou pela minha chegada: 
 e por ela suicidei-me duas vezes 
 e morri outras tantas para consumir-me afinal 
 no holocausto cinza que nos preparamos - 
 e queria apenas 
 uns vestidos novos, dançar de vez em
quando 
 e fumar livremente - preferiria até 
 as chicotadas recebidas por quem o viu 
 (talvez Emil Maurice) na intimidade dela." 
   
 - "Nunca fui Mein Prinzesschen, Isolda e Tristão: 
 um homem inteligente 
 deve ter uma mulher primitiva e estúpida 
 e um povo obediente. Um apóstolo 
 não pode ter sentimentos, apenas seguidores 
 e uma Stefanie romântica na juventude 
 para justificar o mito e nutrir-se 
 do orgasmo das multidões em delírio 
 aos pés dos seus monumentos. 
   
 As massas são uma mulher 
 a ser possuída a cada instante 
 em fervor erótico pelo Líder
- aos poucos 
 excitadas com blandícias, repetições
vazias 
 alinhando os pesadelos represados 
 a brutalidade animal adormecida, o puro ódio 
 inconsciente, para gozar a excitação
e os grunhidos 
 do orgasmo cívico incontrolado e demente 
 da multidão e de seu pai ensandecidos. 
   
 Yesterday and the day after: o Holocausto 
 estava previsto: anunciou Jeremias: 
 "Do Norte derramar-se-à a desgraça 
 sobre todos os habitantes da Terra 
 nas estepes e nos desertos 
 planícies e montanhas de todo o povo 
 que teimosamente sobreviver". E, "nosso Movimento 
 é totalmente sem ideais e não
tem mesmo 
 a aparência de um programa - o instrumento 
 de seus soldados é a ação
inconsciente 
 de seus líderes e o cálculo
gelado do medo". 
   
 - "No Hotel Vier Jahreszestein, em Munique, 
 nada me disse em três horas e proibiu-me 
 de falar - de soslaio 
 me olhavam os cortesãos e os dignitários 
 suspeitamente: a amante disfarçada 
 em mulher do poder 
 sem o romantismo de Stefanie ou o glamour 
 das Walkyrias do cinema. Desesperadamente 
 tentei identificar-me com ele. À saída, 
 como a uma puta, deu-me um envelope com dinheiro. 
   
 - "Maniacamente 
 tentei encontrar a Mulher, identificar-me 
 com ela" - pensou só uma vez. "A doce
menina de Linz 
 não se encarnou em você que se
foi 
 para a guerrilha aburguesada da mesmice 
 e da ladainha das reivindicações
cotidianas. 
 Afinal, não somos casados e urge 
 comportar-se propriamente 
 no cenário de mil anos de Albert Speer." 
   
 Depois da grande guerra pelo sangue 
 a grande guerra do sangue - Total War. 
 Civilians, o povo do mundo inteiro avassalado
- 
 Anne Frank via do seu esconderijo, abismada, 
 the occupied countries por cima 
 da Linha Maginot e dos cabelos jovens 
 embranquecendo a cada 30 segundos em Dunquerque 
 to became numbers 
 on the Conqueror Book. Only death 
 here is victory and the only free ones 
 the exterminated. 
   
 Many died on the way. 
   
 - "Germans 
 my people, Party Members, não devemos
mentir 
 enganar jamais - em nossas mãos 
 está o Destino: entregai-me os vossos", 
 assim 
 Fernando e Isabel expulsaram os judeus - 
 e começou a Era, a Nova Era da Morte. 
 Exultaremos duas vezes em Nuremberg 
 e dançaremos todos em Berghof 
 as mímicas insuperáveis da insanidade. 
  
  
   
 II
SCHERZO
  
Em Bunchewald e Dachau, o fundo do Mar Morto 
 se estende por mulheres e crianças,
mas não há vida, 
 só estômagos para a fome - e
nervos 
 para sentir a dor, que já não
tem importância - 
 é mais que o sal-amargo de todas as
infâncias 
 onde a morte intrínseca é costumeira 
 como o abrir dos olhos e o castelo 
 de sonhos do mundo mineral. 
 "This is the place, Gentleman", como bradava 
 Stratis Thalassinos, o Marinheiro Grego. 
   
 Em Obersalzberg, a beleza 
 resplende mais o terror do despenhadeiro 
 do que a harmonia da paisagem: 
 O Führer dorme na poltrona ao lado de
Eva Braun 
 e pairam sobre ele os fluidos dos tambores 
 dos povos da germânia 
 no estupendo marketing da Nova Era: 
 "- De onde vens tu? - brame o arauto. 
        
- De Dresden! 
 "- E tu?      - Da
Pomerânia! 
 "- E tu?      
- Do Saar! 
 Só não sabem para onde irão. 
   
 "- Em meu balé solitário como
o de um peixe alado 
 busco redimir-me da solidão - exercito-me
na barra 
 e vou ao fundo da cachoeira colher girassóis 
 qual borboleta infantil - os aviões 
 me debruçam sobre o abismo, Geli Raubal 
 não alcançou a perversão
das borboletas doidas 
 e restou em nós, assim como ao efebo
amado 
 do Imperador demente - uma árvore 
 solta no rio procurando as tormentas." 
   
 Stalingrado resiste: ("Já chegou o inverno?"), 
 secretamente pergunta-se, apesar 
 da fé e dos votos de lealdade pessoal.
Freud 
 deixa Viena e 60.000 pessoas, apenas lá, 
 são presas pela visão externa
do inconsciente - 
 Sigmund Freud, num gesto simplório, 
 tira o chapéu e se despede da pureza
racial. 
 De longe, não vistos por ele, outros
perscrutam 
 suas passividades e o medo escondido de morrer. 
   
 "- Quando fecho meus olhos eu vejo 
 o futuro do mundo a meus pés. O mundo
criamos, 
 não viemos dele - Ein Führer,
Ein Reich, ein Deustschland." 
 E, com um gesto, figurante da jovem Walkyria 
 de longos cabelos louros no céu azul,
ajeita o cabelo na testa 
 a mão de Padre Nosso 3 vezes em saudação 
 ou a bênção aos nubentes 
 na cerimônia de amor dos condenados. 
 - "Fui transformada em bovino 
 como todos os outros 
 no amanhecer de Munique. Speer tinha visto 
 "uma simples moça do campo, apenas 
 com o viço da juventude" - tudo fiz 
 para não ser como a amante escondida 
 mas me curti no silêncio enquanto o
mundo 
 vulcanizava-se - e assim me transformei 
 numa banal prescrição para uso
externo." 
   
 Jeremias, o Nabi, na Segunda Deportação 
 assim se preparou para a terceira e última: 
 "Eu te constituo neste dia 
 entre as nações e os reinos 
 para arrancar e para destruir 
 para exterminar e para demolir. 
 Do Norte derramar-se-á a desgraça 
 sobre todos os pecadores da Terra 
 porque, eis, vou convocar 
 todas as tribos dos reinos do Norte." 
   
 Uma alma feita para o amor 
 assim enviada, a predizer 
 sobretudo a desgraça, homem da discórdia 
 para todas as gentes. 
 "Que culpa temos 
 desse Profeta enlouquecido 
 e de seu sonho delirante?", 
 bocejam exaustos 
 do fundo do Mar Morto 
 os inmates de Auschwitz e das câmaras
de gás. 
   
 Geli Raubal, ainda uma criança, aprofunda
seus passos 
 e a Gestapo busca batatas escondidas 
 nas dobras das calças rotas do povo
- e todos 
 estão famintos, a Gestapo 
 está faminta, os cadáveres 
 estão famintos, e o Sínodo,
integralmente, 
 se mistura na rua, circunspecto e faminto, 
 enquanto entoa os cantos do Talmude 
 para a cerimônia de extermínio
dos mortos. 
   
 Sob o Arco do triunfo, em passos lentos, 
 passam as tropas para não despertar 
 Napoleão Bonaparte. Britain remains. 
 Willhelm Fürtwangler 
 executa o Opus 130 de Beethoven, precisamente 
 a Cavatina - vê-se, nos sons precisos, 
 Stalingrado, o caminho de Moscou 
 e a mulher amante da secretária do
Führer. 
 Fire. Bombs. Conquest. Death. Force. 
   
 Os sofredores, 
 os semimortos e as mães desconhecidas 
 cantam canções da Rússia
e da Eslávia 
 e as das pás múltiplas que cuidam
dos sepultados de ontem 
 nascidos no mesmo dia opaco da morte premonitória 
 no mesmo dia da Nova Ordem 
 e dos suspeitos do fastio, dependurados no
pátio 
 entre os crucificados sem cruzes. 
 Acima 
 os conquistadores das ruínas. como
na vida real. 
   
 "Mas tu me conheces e me vês 
 provaste meu coração que está
contigo - 
 consagra-o para o dia do massacre. 
 Aquele que é da morte, para a morte. 
 O do cativeiro, para o cativeiro. 
 O que é da espada, para a espada 
 E aquele que é da fome, para a fome". 
 As criancinhas, no Gueto, 
 pulam amarelinha 
 na proto-história da morte - os mortos 
 escasseiam as calçadas 
 porque são teimosamente abundantes 
 e ultrapassaram 
 as cotas preestabelecidas 
 da precisão ritual - a Solução 
 é equânime para as criancinhas. 
 Os que sobraram sabem - ou imaginam - 
 que amanhã é o dia deles: 
 ou poderia ter sido ontem 
 se não fôra a falha do forno
# 3 - 
 a vontade de viver se agarra aos ossos 
 com os pedaços da pele, uma caloria 
 por centímetro quadrado - essa é
a medida 
 para esperar outros dois mil anos 
 recitando o Profeta e seus salmos. 
   
 Deixaram de ser pessoas, são galhos 
 ressequidos de almas, 
 como em Gogol ou muito antes 
 ou depois, no ritual tenebroso 
 antecipado - os mortos 
 que enterrem seus mortos, não viemos 
 aqui para um espetáculo 
 mas para 
 a finalização dos ideais - e
dos Profetas. 
   
 E assim foi feito - Heinrich Himmler 
 desmaiou em Minsk 
 na execução de prisioneiros
- é difícil 
 suportar a presença 
 de nosso crime em nossos olhos, who 
 called you here? 
 As almas sensíveis comandam a morte, 
 mas não conseguem 
 suportá-la. 
   
 Ao contrário das imagens do cinema 
 as raposas não sobrevivem no deserto
- 
 o que escondem 
 são suas tocas e as fanfarras 
 para atrair os cães fardados, as raposas 
 não usam óculos de aviador 
 e não se aventuram onde 
 cai areia nos olhos, preferem mais 
 as estepes e as montanhas geladas. 
   
 25 Klon B - a mezinha mágica 
 Bad und Desinfektion - e depois 
 novembro 1918 - a cláusula última 
 da hora final de Jeremias 
 voando sobre as montanhas: 
 "quem é da morte, para a morte 
 quem é da terra, aqui se enterre 
 quem é da escravidão 
 aqui desapareça para sempre". 
   
 Neste scherzo, nota a nota, toma forma 
 a fisiologia da tirania em dimensão
programada 
 por todos os meios precisos da lógica 
 e do jogo do terror implantado 
 no cerne dos neurônios esterilizados 
 pela religião bem clara do massacre 
 em seus ritos obscuros = "nós, alemães, 
 somos os únicos povos do mundo 
 a agir decentemente com os animais". 
   
 Eva Braun suplica inutilmente por um cão. 
  
  
   
 III
ALLEGRO MA NON TROPPO
  
"Por que eu trago uma desgraça do Norte 
 o Destruidor das Nações se pôs
em marcha 
 para transformar tua terra em solidão
- 
 e destruir tuas cidades 
 até não ficarem mais cidades. 
 Ai de nós que estamos perdidos! 
 Anuncia-se desastre sobre desastre 
 por todo o campo devastado." 
 E todos os pássaros fugiram do céu. 
   
 Eva Braun é o Mensageiro chegando inesperado
-  
 ao Bunker de Berlim para não mais voltar 
 - "Quando me for, chamarei apenas Fräulein
Braun 
 Fräulein Braun e meu cão." 
 - "Tive de vir: 
 agora me exporei ao mundo e serei esposa 
 esposa da morte por uma hora - e Geli Raubal 
 estará vingada. Nada prenuncio, mas
aqui 
 tudo se torna um subterrâneo mítico 
 sem qualquer ressurreição. 
   
 Quem tirou os quadros da parede? 
 E guardou os tapetes e jogou aqui 
 as manchas de fuga pela sala abandonada 
 e que notícias trágicas dos
jornais velhos 
 se refletem no general bêbado dormindo
no sofá?" 
 O passado fica cada vez mais perto 
 quando o futuro vem chegando. Estes daqui 
 também não são culpados
de ter havido 
 o delírio e a farsa do Profeta Jeremias. 
   
 O pássaro do espinheiro faz um único
vôo 
 e canta uma só vez em toda a vida, 
 na véspera de morrer. Eva Braun 
 já não se lembra do suicídio
do marido 
 nem da neve de Berghof e das fumaças
dos canhões 
 que não se identificavam 
 com as trilhas translúcidas de Obersalzberg
- 
 mas mesmo assim voltou, como em si mesma, 
 para seu Holocausto cinza - e o último
canto. 
   
 os presságios se apoderaram das praias 
 e as mulheres e as crianças estão
on the move - 
 ten thousand corps a day 
 jews or no jews, they are all the same 
 in terms of destruction and slow movements 
 on a concert under heavy fire 
 during almost three weeks. Germans 
 aos milhares, descalços nos cobertores
de neve, 
 asfixiados nos túneis, esquilos nas
florestas queimadas. 
   
 O conde Stauffenberg sacrificou o olho 
 depois o braço e, finalmente, 
 sofreu quatro mil mortes pela tentativa 
 de extinguir uma vida que se punha contra 
 cem milhões de vidas. Da Normandia 
 já galopa o cavalo branco morto 
 fugindo do esconderijo dos ratos, com a peste 
 e as crianças louras revoando 
 convocadas para a chacina final. 
   
 “Levantei um sinal de Bet-Acaram 
 porque a desgraça já chegou
das montanhas do Norte - 
 terror de todos os lados - sobre os píncaros 
 elevo gemidos e prantos. Sobre 
 as pastagens das estepes 
 um canto de lamentações." 
 O Senhor Sifilítico 
 já não dormia na sua hora terminal 
 apesar das garantias dos Comandantes 
 e das traições gerais. 
 O vento encostara no abismo. 
   
 - "Nosso líder destruiu um tanque antes
de morrer"-  
 me disseram na véspera. As paredes
de concreto 
 ofereciam o suor do medo 
 aos defensores da cidade sem saída 
 ou fantasia possível, como um morto
desenganado -  
 the fateful destiny of the people, não
valem mais 
 os mimetismos e as máscaras. 
 - "Nunca mais teremos 1918, nunca mais", 
 exceto este 45, mensageiro dos russos. 
 O cão Blondi espreita Eva Braun, 
 também consciente de seu fim, já
sem os afagos 
 da mão trêmula escondida na calça
preta. Eva Braun 
 recebe os sacramentos do ato não sagrado: 
 - 'A vida não perdoa as fraquezas,
Mein Kampf." 
 E, apesar de tudo, é bem fugaz a loucura. 
 Os poros e as lágrimas do mundo 
 estão prestes a secar 
 nestes momentos sonâmbulos da mitologia. 
   
 Na cantina do Bunker o Senhor dos Exércitos 
 reúne os últimos discípulos
para a penúltima ceia, 
 'O sangue do mundo é meu destino." 
 Do tiro que se ouviu 
 não emergiu nenhum Aquiles, mas apenas 
 a última saudação de
braço erguido 
 registrada em Jerusalém. Eva Hitler 
 se suicida pela terceira vez 
 sem uma palavra de protesto 
 no dia do aniversário, agora póstumo. 
   
 Paris/Rio/Gramado,
set/nov 91. 
  
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