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O HOMEM-1
  
 ... e o homem, mais uma vez, 
 começou a contar a história
de sua vida: 
   
 "Foi para isso que viajamos tanto 
 para não ver a pequena bailarina que
passava?" 
 "Não desisti quando, no bar, 
 à margem direita do rio Yonne, 
 a velha senhora se recusou a servir um poire 
 insistindo em mirtylle sauvage - essa 
 é uma história interessante: 
 eu não tinha na verdade 
 os dez francos para a aguardente de mirtylle 
 como, outra vez, muitos anos atrás, 
 não tinha os tostões da entrada
do cinema 
 para ver o filme de Shirley Temple. 
 Acabei mesmo tomando um café, 
 como não fui ao cinema." 
   
 "Não foi para isso que viajamos tanto
- 
 continuou o homem. - Passei 
 muito tempo esperando as arrumadeiras 
 prepararem o quarto para eu entrar 
 e o sol esfriar para sentir a paisagem 
 incluída no preço. Vi uma mocinha 
 que se dobrava sobre os joelhos 
 sozinha no meio da campagne, ao entardecer, 
 escutando as espigas de milho 
 recém-ceifadas 
 e os girassóis mortos - era 
 a mesma imagem de Shirley Temple abandonada 
 aos seis anos de idade, 
 na Princesinha." 
 "Saí muito em viagem de núpcias 
 navegando em sereias azuis 
 pesquisando imagens poéticas 
 bebendo champagne em taças de estanho 
 ou até mesmo imprensado 
 em ônibus de turismo - uma vida 
 não pode ser assim uma coisa tão
banal 
 para ser dissipada até em ventos favoráveis 
 e que nem possa ser vista 
 por um passante 
 das margens do rio Yonne 
 ou alimentada por aguardente de peras 
 num barzinho sem importância 
 de uma pequena cidade." 
   
 "Mas essa não é 
 realmente 
 a história de minha vida." 
 Joigny, setembro
91. 
 
  
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