Álvaro Pacheco  
   
O HOMEM-1
  

... e o homem, mais uma vez, 
começou a contar a história de sua vida: 
  

"Foi para isso que viajamos tanto 
para não ver a pequena bailarina que passava?" 

"Não desisti quando, no bar, 
à margem direita do rio Yonne, 
a velha senhora se recusou a servir um poire 
insistindo em mirtylle sauvage - essa 
é uma história interessante: 
eu não tinha na verdade 
os dez francos para a aguardente de mirtylle 
como, outra vez, muitos anos atrás, 
não tinha os tostões da entrada do cinema 
para ver o filme de Shirley Temple. 
Acabei mesmo tomando um café, 
como não fui ao cinema." 
  

"Não foi para isso que viajamos tanto - 
continuou o homem. - Passei 
muito tempo esperando as arrumadeiras 
prepararem o quarto para eu entrar 
e o sol esfriar para sentir a paisagem 
incluída no preço. Vi uma mocinha 
que se dobrava sobre os joelhos 
sozinha no meio da campagne, ao entardecer, 
escutando as espigas de milho 
recém-ceifadas 
e os girassóis mortos - era 
a mesma imagem de Shirley Temple abandonada 
aos seis anos de idade, 
na Princesinha." 

"Saí muito em viagem de núpcias 
navegando em sereias azuis 
pesquisando imagens poéticas 
bebendo champagne em taças de estanho 
ou até mesmo imprensado 
em ônibus de turismo - uma vida 
não pode ser assim uma coisa tão banal 
para ser dissipada até em ventos favoráveis 
e que nem possa ser vista 
por um passante 
das margens do rio Yonne 
ou alimentada por aguardente de peras 
num barzinho sem importância 
de uma pequena cidade." 
  

"Mas essa não é 
realmente 
a história de minha vida." 

Joigny, setembro 91.
 
 
 
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Página editada por  Alisson de Castro,  Jornal de Poesia,  20  de  Agosto  de  1998