Álvaro Pacheco  
   
OS ANOS TERRÍVEIS
 

Os anos terríveis estão chegando 
quando se acorrenta a juventude 
a reflexões causticantes 
que, desesperadamente, sem pressa, 
fazem marcas na pele e nos primeiros 
cabelos brancos. 
  

Eles são a primeira mulher perdida, o primeiro nome 
que não socorre do passado 
o primeiro instante sem euforia 
mesmo química -  
e quando se precisa de um anestésico 

para a saudade e imaginamos 
um vôo sem rumo de caravela 
na geometria de asas das velas e dos ventos. 
  

Mas os anos terríveis também 
nunca ficaram para trás nem precisam ser 
os que estão chegando - as reflexões 
são as mesmas dessa química substrata 
que atinge apenas os mitocôndrios ou outros 
mensageiros ou portadores da eternidade 
nos dois sentidos que ela impõe, esses anos 
podem estar esperando num castelo em Duíno 
ou navegando a bordo do La Grive, 
vindo das ilhas desgarradas 
de Homero ou George Séféris. 
  

Superá-los contudo, 
será construir um mausoléu de água 
no meio das pedras, 
deixar fenecer o desejo e os olhos 
das mulheres que não nos amam. E 
fazer um banquete fictício em cada estação 
como um senhor medieval, com bufões, 
engolidores de fogo, saltimbancos e lutadores romanos, 
sendo apenas o passante desinteressado 
que paga um preço qualquer pelas repetições, 
sem nenhum reconhecimento. 

 
 
Londres, setembro 91.
 
pache06@ibm.net

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Página editada por  Alisson de Castro,  Jornal de Poesia,  20  de  Agosto  de  1998