Álvaro Pacheco  
   
TIRÉSIAS
 
 

Eu, que estou cansado de abraçar frouxos abraços 
a abatido pelo esgotamento do mesmo sono 
aberto e sangrando de feridas curadas 
e marcado por cicatrizes invisíveis 
como certas reses e baleias do fundo do mar, 

eu 
que vim, cego e bêbado, 
desafiando a noite e as estradas 
em plena luz do dia, eu 
que me julgo haver estado em todas as feridas 
e ferido por mim mesmo em nome 
de todos os seres humanos 
na totalidade 
do meu sofrimento pessoal, eu, 
  

Akhenaton, Tirésias, Hamlet, Gilgamesh, 
servo todo-poderoso dos ares e dos despenhadeiros, 
da ilusão e do medo da eternidade, eu 
que adivinho as palavras antes de me dizerem 
e me esqueço facilmente de tudo que aprendi, eu 
que ando despreocupadamente 
pelas ruas esquecidas de Siena, Joigny, Santiago 
e tantas outras cidades medievais modernas, eu 
de antepassados inventados invencíveis 
e que tentei cultivar ao sol do deserto as flores do inverno 
e padeci de calor no meio da neve 
esvaiando-se em cansaço, eu 
que me julgo extraterrestre 
e não encontro muitas vezes o caminho de volta 
para o quarto do hotel, 
esqueço o nome de meus irmãos 
o telefone de casa, e não sei, 
embora fantasie, a origem de meus ancestrais, eu, 
  

Tirésias outra vez, cego desprezando o mito, 
psicanalisado, 
um faraó sem divindade e sem incesto, 
me entrego agora: - que venha o anunciador 
acima de minhas descrenças, os símbolos 
depois da realidade e a lembrança 
antes do esquecimento: 
  

nada mais quero ver. 
  

E que a luz se faça 
ou não se faça 
mas longe de meus olhos cegos 
que nunca pretenderam de fato conhecê-la. 

Rio, maio 88.
 
pache06@ibm.net

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Página editada por  Alisson de Castro,  Jornal de Poesia,  20  de  Agosto  de  1998