Micheline Lage
Aroldo Chagas,
um operário de
palavras
Os Olhos Salientes do Crocodilo é o
primeiro livro do poeta Aroldo Chagas, filho de um pai viajante,
ferroviário, e nascido ao acaso, em uma das andanças do pai, na
cidade do Naque, em Minas Gerais.
O sentimento de não-pertencimento a lugar
algum e o ferro na alma, foi o legado do pai a este poeta. Tal qual
Drummond, “orgulhoso, de ferro”, “com noventa por cento de ferro nas
calçadas e oitenta por cento de ferro nas almas”, Aroldo, radicado
no Vale do Aço há 30 anos e operário de usina, demonstra uma dureza
na escritura moldando palavras da mesma maneira que se molda o ferro
gusa quente para transformá-lo em aço.
Assim, os poemas são cortantes,
pungentes, queimam o leitor em uma grande caldeiraria cujo léxico
revela um clima de opressão e tensão inerentes a uma região
industrial como o Vale – de Aço e de Lágrimas?
Aroldo, operário de palavras, funde em
seu caldeirão “pedras, farpas e cacos”, a “terra seca”, a “rígida
crosta”, a “vida inoxidável”, “as contíguas estruturas”, joga tudo
na “betoneira do coração”, agita, e devolve ao leitor seus retratos
perenes: “versos de concreto”. Com olhos argutos e luminosos como os
de um crocodilo, o poeta des-vela as verdades encobertas, que surgem
como um incômodo, e toda a escória social é denunciada – “finge-se
de morto o poeta” por uma questão de sobrevivência, mas a palavra
ilumina toda a dor por uma questão de vida e de morte.
A felicidade – “um barco com um furo no
fundo” – só é possível no mundo inventado pela arte do poeta e do
“abdome de latão” as palavras, “fios de seda”, nascem, acariciando
os calos das mãos, a pedra na alma, as rugas e rusgas incrustadas, o
nó da garganta, a pressão do coração.
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