Augusto Severo Netto

SER E NÃO SER
 
Ser vaga 
nuvem 
ou pássaro liberto 
ter espumas 
asas 
ou condensações de infinito 
possuir todas as praias 
todos os espaços 
poder voar bem alto 
poder erguer os braços 
poder erguer a voz 
poder lançar um grito 
ou fosse apenas canto 
prece 
ou gargalhada 
amar só por amor 
só por amar 
mais nada 
ser nauta 
vagabundo 
menestrel 
cigano 
ou mesmo 
- que não mais - 
um cavaleiro andante 
poder viver um ano inteiro em cada instante 
e um século de vida viver em cada ano 
  

Não ser jamais algoz de um sonho 
ou de um anseio 
fazer da vida um fim e não somente um meio 
de alcançar um fim por todo meio incerto 
não ser jamais estéril e árido deserto 
onde  não floresce 
sequer 
a flor selvagem 
não ser árvore seca despida de folhagem 
por onde o vento passe a murmurar baixinho 
onde a ave pouse e possa ter um ninho 
de onde brote o fruto rubro 
sumarento 
  

Não ser jamais a pedra fria do convento 
que mesmo ouvindo preces permanece fria 
não ser jamais a rocha abrupta 
sem harmonia 
não ser jamais o ódio 
a inveja 
o desengano 
poder ouvir no mar uma eterna sinfonia 
e no soprar dos ventos escutar um hino 
ser um pouco da terra para ser divino 
e ser dos céus um pouco para ser humano.

  
Remetente : Walter Cid

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