Por que esse silêncio
essa paz
essa calma
essa ventura falsa que
pedem os circunstantes:
“mostra-a em teu rosto”
sem reparar decerto o
não poder fazê-lo
por não sentí-la
em mim
por não trazê-la
na alma.
Tenho os lábios
gretados
como o leito dos rios
onde a água é lenda
meu sorrir é queixa
minha prece um grito
um eco de revolta irremediável
do irremediável
e milenar conflito
represado comigo desde
o ter nascido
entre o que nasci e o
que me fez a vida.
É um andar sem
descanso
na vereda estreita
sinuosa
e comprida
dos anos que eu vim desde
o ser como fora
até o dia em que
estou sendo o que sou agora.
Não há praias
à vista
nem montanhas
nem portos
e as rochas do caminho
desgastadas de vento
de tempo
e desencanto
desgastadas da chuva
de um oculto pranto
que ninguém assistiu
mas que eu chorei e choro
são polidas e
frias
e tem os cantos mortos.
Sonhei-me girassol
crisântemo
azaléia
e fecundei-me espinho
parasita
e cardo
Talvez por isso ardo
e me esbato
e me evolo
à luz de gambiarras
que iluminam o palco de
passadas comédias
onde estão encenando
um drama diferente
de quase não querer
de descrença
apatia
onde se escuta ainda
o ressoar distante
dos tambores que deram
o rítmo de outrora
cadenciando os passos
de ter sido um dia
E eu sigo sonhando
Anseio nebulosas
estrelas
promontórios
adro de catedrais
sinfonias
aquários
canções
de acalanto
arco-íris
e lagos.
Mas é querer somente
o meu sorrir é
queixa
minha prece um grito
um eco da revolta irremediável
represada comigo
desde o ter nascido
entre o que nasci e o
que me fez a vida
a dor de não ter
sido
um clamor quase mudo
de pouco ter achado e
ter sonhado tudo
o escutar sangrento
e longe
do horizonte
no eco de um profundo
e milenar conflito. |