Auta de Souza

1 - Angelina
2 - No Templo
3 - Renato

ANGELINA

           Brilhante como uma estrela,
           criança e já numa cova!
                 J. Eustachio de Azevedo.

Ter doze anos somente
E nesta idade sofrer!
Sonhar um porvir ridente
E nesta aurora morrer!
 

Eis o que foi-te a existência,
Ó desditosa Angelina!
Doce lírio de inocência,
Pobre floco de neblina.
 

Como dois botões pequenos,
Duas flores orvalhadas,
Teus olhos dormem serenos,
Sob as pálpebras cerradas.
 

Voaste, meiga criança,
Tão feiticeira e mimosa,
Como um riso de esperança,
Como uma folha de rosa.
 

É triste morrer no fim
De uma manhã de esplendores...
A fronte ocultar, assim,
N’uma grinalda de flores.
 

E sentir, por entre a dor
Da derradeira agonia,
De mãe um beijo de amor
Roçar a fronte já fria...

Quando, n’um suspiro leve,
Est’alma que o corpo encerra,
- Como uma pomba de neve
A desprender-se da terra -
 

N’um vôo suave e franco,
Fugiu para o Céu de anil...
Vestiram-te, então, de branco,
Como uma noiva gentil.
 

No setíneo caixãozinho,
Mais puro que as alvoradas,
Depuseram teu corpinho,
Entre as cambraias nevadas.
 

Aí, no funéreo leito,
Toda coberta de rosas,
Tendo cruzadas ao peito
Duas mãozinhas formosas;
 

Pareces um anjo santo,
Envolto em gélido véu,
Transpondo azulado manto,
Como em procura do Céu.
 

Eu sigo-te o vôo alado,
Pela esfera diamantina,
Ó meu anjo imaculado,
Ó minha santa Angelina!

 

NO TEMPLO

Que suave harmonia
        Em tua voz...
Tu roubaste-a, Maria,
        Aos rouxinóis?
 

Aqui, na Igreja santa,
        Se vens rezar,
Quanta piedade, quanta!
        Trazes no olhar.
 

Maria! como és bela,
        Junto a Jesus!
O teu olhar de estrela
        Parece luz.
 

E que doce brancura
        Na tua cor...
Tens a pálida alvura
        De um lírio em flor.
 

Junta estas mãos, formosa!
        Assim... assim...
Deixa o lábio de rosa
        Pedir por mim.
 

Vale tanto uma prece,
        Dita por ti!
Mas... a noite já desce.
        Vamos d’aqui.
 
 
 

Olha que eu tenho medo
        Da escuridão...
Vamos: termina cedo
        Tua oração.

Jardim - 1895

RENATO

Um menino interessante
É o Renato de Carminha...
Um querubim tão galante
Cuidei que à terra não vinha.
 

E como lhe assenta bem
A roupinha azul que veste...
Dá-lhe os ares de quem vem
De uma paragem celeste.
 

Quando ele passa, tão lindo!
À tardinha, a passear,
Todos lhe falam sorrindo
Com vontade de o beijar.
 

As mães o chamam: filhinho!
As moças dizem: meu bem!
Mas o capeta do anjinho
Não olha para ninguém.
 

Como ele fica engraçado
- O pequenino taful -
Com o boné, posto ao lado,
Todo de veludo azul.
 

O seu cabelito louro
A se escapar do chapéu,
Parece uma nuvem de ouro
Querendo cair do céu.

Angicos - 1896

Remetente: Walter Cid
 
 

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