Auta de Souza

1. Morena
2. Simbólicas
3. Mistério
4. Agonia do Coração
5. Versos ligeiros
MORENA

                      À moça mais bonita de minha terra

Ó moça faceira,
Dos olhos escuros,
Tão lindos, tão puros,
Qual noite fagueira!

Criança morena,
Teus olhos rasgados
São céus estrelados
Em noite serena!

Que doces encantos
No brilho fulgente,
No brilho dolente
De teus olhos santos!

E eu vivo adorando,
Meu anjo formoso,
O brilho radioso
Que vão derramando.

Em chamas serenas,
Tão mansas e puras,
Teus olhos escuros,
Ó flor das morenas!

 

SIMBÓLICAS
                                           A Emília Guerra.
 
 

Quando Deus criou Além
As estrelas em cardume,
Na terra criou também
As flores, mas sem perfume.
 

Um dia, ao mundo de abrolhos
A virgem pura desceu,
Com um manto da cor dos olhos
E uns olhos da cor do Céu.
 

No Céu azul de seu manto
Brilhava um astro: Jesus!
E, em seu olhar sacrossanto,
Boiava a Inocência, a Luz...
 

Maria! - os anjos clamaram
A chorar, vendo-a partindo... -
Tu levas nossa alegria...”
Mas da terra lhe acenaram
As flores todas, abrindo:
          “Maria!”
 

E Ela deixou do Infinito
Os resplendentes fulgores,
Para acudir ao bendito
Aceno doce das flores.
 
 

E teve pena de vê-las
Formosas, mas sem ter brilho:
Olhou sorrindo as estrelas
Dos cabelos de seu Filho...
 

Ah! fora Ela que as fizera
Com a graça de seu sorriso,
N’um dia de Primavera,
Na glória do Paraíso!
 

E seus olhos procuraram
Algum oculto tesouro: 
“Para as flores, que faria?”
Quando do Céu a chamaram
Os Anjos todos, em coro:
          “Maria!”
 

Ia partir... Que lembrança
Podia deixar no campo?
Dera o sorriso à criança,
Estrelas ao pirilampo!
 

Nos meigos olhos perpassa
Não sei que lampejo doce...
E a Virgem, cheia de graça,
Do mundo triste evolou-se.
 

Mas, Ela, que dera o encanto
Do riso sagrado à infância,
Da dobra azul de seu manto
Deixou cair a fragrância.
 
 

Desde esse dia, na terra,
As flores sabem falar...
A voz da flor é a ambrosia
Que tanta doçura encerra
Quando murmura ao luar:
          “Maria!”

Jardim - Agosto de 1897.
 

MISTÉRIO

                         À memória do pequeno Alberto.
 

Sei que tu’alma carinhosa e mansa
Voou, sorrindo, para o Azul celeste;
Sei que teu corpo virginal descansa
Aqui da terra n’um cantinho agreste.
 

Tudo isto sei: mas tu não me disseste
Se lá no Céu, na pátria da Esperança,
Ou aqui no mundo, à sombra do cipreste,
Deixaste o coração, loura criança!
 

Desceu acaso com o corpo à terra
Ele tão puro e que só luz encerra?
Não creio n’isso e ninguém crê de certo...
 

Entanto, eu cismo que, num vale ameno,
Talvez o seio de um jasmim pequeno
Sirva de berço ao coração de Alberto.

Macaíba -  Março de 1895.
 

AGONIA DO CORAÇÃO

                       A Maria Carolina de Vasconcellos
 

“Estrelas fulgem da noite em meio
Lembrando círios louros a arder...
E eu tenho a treva dentro do seio...
Astros! velai-vos, que eu vou morrer!
 

Ao longe cantam. São almas puras
Cantando á hora do adormecer...
E o eco triste sobe ás alturas...
Moças! não cantem, que eu vou morrer!
 

As mães embalam o berço amigo,
Doce esperança de seu viver...
E eu vou sozinha para o jazigo...
Chorai, crianças, que eu vou morrer!
 

Pássaros tremem no ninho santo
Pedindo a graça do alvorecer...
Enquanto eu parto desfeita em pranto...
Aves, suspirem, que eu vou morrer!
 

De lá do campo cheio de rosas
Vem um perfume de entontecer...
Meu Deus! que mágoas tão dolorosas...
Flores! Fechai-vos, que eu vou morrer!”
 

VERSOS LIGEIROS
 
 

Eu acho tão feiticeira
A Noemita da esquina,
Com o seu recato de freira,
Muito morena e franzina;
 

Que fico toda encantada
Quando na Igreja a contemplo,
Pois cuido ver uma fada
Ajoelhada no Templo.
 

Doce nuvem cor de rosa
Parece que a Deus se eleva.
D’aquela boca mimosa,
D’aquele olhar cor de treva.
 

É sua prece que voa,
Indefinida e tão mansa,
Como um hino que ressoa,
Como uma voz de criança
 

A trança de seu cabelo,
(Como ela é negra, Jesus!)
Semelha um lindo novelo
Tão preto que já reluz.
 

Tem a boquinha vermelha
Como uma rosa entreabrindo...
É um favo de mel de abelha
Aquela boca sorrindo!
 

Minh’alma nunca se cansa
De vê-la assim, tão divina,
Sempre formosa e criança
Com seu perfil de menina.
 

Às vezes, eu olho-a tanto,
Com tanta veneração,
Que fico muda de espanto,
Depois da contemplação.
 

É verdade que não faz
Mal nenhum fitá-la assim...
Meu Deus! se eu fosse rapaz
O que diriam de mim?!

Macaíba - 1897.
 

Remetente: Walter Cid
 


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