UM SONHO
Tudo era calmo... Junto, ao pé do altar,
Meu coração rezava docemente;
E um círio branco, triste, a soluçar,
Dizia à flor n’um murmurar dolente:
“Vê, minha irmã, aqui na solidão
Dorme Jesus, sozinho, abandonado...
Não sente palpitar um coração
Que lhe traga um sorriso abençoado.
Ele diz: Vinde a mim, vós que chorais,
E o vosso pranto mudarei em flores;
Eu quero recolher os vossos ais
No cofre onde descansam minhas dores.
Fala Jesus, e o mundo não responde.
Os homens folgam nos salões ruidosos,
E aqui, dorida, nossa voz esconde
A mágoa funda dos que vão chorosos.”
Calou-se o círio, e a rosa entristecida,
Entreabrindo o cálice perfumado,
Murmurou, n’uma prece indefinida
De mãe que pede pelo filho amado:
“Quero o meu leito, aqui junto ao Sacrário,
Minha tumba nos braços desta Cruz;
É tão doce subir para o Calvário
Beijando a terra onde pisou Jesus!
E depois... Quando a luz te consumir,
Cairão minhas folhas ressequidas,
Outros círios e rosas hão de vir
Redizer nossas queixas doloridas.”
Assim falou a rosa e, desfolhada,
Tombou, chorando, sobre a pedra fria,
Da pobre vela reduzida ao nada
O pranto apenas sobre o altar se via.
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Eu acordei... Uma tristeza infinda
Lembrou do sonho a imaginária dor,
E, de meu leito, eu escutava ainda
Gemer o círio e soluçar a flor.
Jardim - 1895.
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PASSANDO
Ao Dr. Celestino Wanderley, em agradecimento à sua Morte de Cecy
Quando me vêem passar risonha e calma,
Sem um pesar que me anuvie a fronte,
Perdido o olhar na curva do horizonte,
Cuidam que eu tenho o paraíso n’alma.
Mesmo encontrei quem me dissesse um dia:
“Invejo-te a existência descuidosa.”
Como se espinhos não tivesse a rosa,
Ou fosse a vida isenta de agonia!
Porém, enquanto, desdenhosa, altiva,
Eu vou passando, alegre ou pensativa...
A rir, a rir, como um feliz demente,
Meu pobre coração dentro do peito
- Triste doente a agonizar no leito -
Vai soluçando dolorosamente...
Araçá - 1895.
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OLHOS AZUIS
A Palmyra Magalhães
O teu olhar azul claro
Reflete não sei que luz,
O brilho fulgente e raro
Do meigo olhar de Jesus.
Eu cuido ver todo o encanto,
Toda a beleza do Céu,
Nestes teus olhos sem pranto,
N’estes teus olhos sem véu.
Sinto uma doce ventura,
Uma alegria sem fim,
Se d’eles a chama pura
A’s vezes cai sobre mim.
São flores azuis boiando
À tona d’água, de leve,
Esses dois olhos beijando
O teu semblante de neve!
Angicos - 1896.
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NA CAPELINHA
Lembrança do Colégio
Entrou na Igreja sorrindo,
Coberta com um fino véu.
O seu rostinho era lindo
Como o da virgem do Céu.
Foi ajoelhar-se contrita
Ao pé do sagrado altar,
E, com piedade infinita,
Principiou a rezar.
Um doce sorriso veio
Encher-lhe a boca de luz.
Uniu as mãos sobre o seio,
Fitou os olhos na Cruz.
O que dizia... Alguém pode
Adivinhar o que diz
A prece que ao lábio acode
Enquanto a gente é feliz?
Nessa idade, para que
Se reza... (saberei eu?)
A gente reza porque
Também se reza no Céu.
E ela, tão meiga e pura,
Que não conhecia o mal,
E que guardava a ventura
No coração virginal;
Em sua fé de criança
Ingênua e cheia de amor,
Talvez pedisse a esperança
Para os que vivem na dor.
Talvez tivesse gemidos
Para quem vive a chorar,
Para os que vagam perdidos
Nas frias ondas do mar.
E enquanto o lábio querido
Orava piedoso assim,
Do negro olhar comovido
O pranto rolou por fim.
E deslizaram sem calma
As bagas por sua tez,
No desconsolo de um’alma
Que chora a primeira vez.
Su’alma santa onde moram
A Luz, a Inocência e o Bem,
Pedindo pelos que choram
Foi soluçando também.
E compreendendo o segredo
D’aquela doce emoção,
Eu disse baixinho, a medo,
Falando ao meu coração:
Benditos nós que sofremos
Varados por mágoa atroz...
Enquanto assim padecemos
Os anjos pedem por nós.
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SONETO
Tudo o que é puro, santo e resplendente,
N’este mundo cruel de desenganos,
Toda a ventura dos primeiros anos
N’um’alma que desabrocha sorridente;
Tudo o que ainda vemos de potente
Na vastidão sem fim dos oceanos,
E da terra nos prantos soberanos
Trazidos pela aurora refulgente;
Tudo o que desce do infinito ousado:
O sol, a brisa, o orvalho prateado,
A luz do amor, do bem, das esperanças;
Tudo, afinal, que vem do Céu dourado
A despertar o coração magoado,
- Deus encerrou nos olhos das crianças!
Macaíba - 1893.
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