Auta de Souza
1. Olhos de Santa.
2. Cores.
3. A Eugênia.
4. A morte de Helena.
5. O Beija-Flor. |
OLHOS DE SANTA
A Antônia Araújo
Cheios de treva e luz, teus olhos têm a cor
Das noites sem luar, ó meu divino amor!
E eu amo tanto a sombra e o brilho doce e puro
Dos grandes olhos teus, ó luz de meu futuro,
Como adora minh’alma os rútilos clarões
Do bando virginal de suas ilusões.
Olha-me sempre e sempre... Em teu olhar formoso,
Minha noite e meu sol, ó Querubim piedoso!
Eu quero ver à toa, eu quero ver boiar,
- Como se fosse um lago o teu formoso olhar -
Todo um mundo sem fim de sonhos e quimera,
Lírios desabrochando ao sol da Primavera.
Não vês? É noite, e o Céu nos mostra tanta
luz
Que, olhando para cima, eu cuido que Jesus
As estrelas formou de lúridos novelos
Dos raios ideais do sol de seus cabelos...
E assim no teu olhar, doce como um jasmim,
Uma estrela se fez do nosso amor sem fim.
Deixa brilhar a estrela loura e mansa,
Que nos há de guiar à Terra da Esperança.
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CORES
A Cecília Burle.
Enquanto a gente é criança
Tem no seio um doce ninho
Onde vive um passarinho
Formoso como a Esperança.
E ele canta noite e dia
Porque se chama: Alegria.
Depois... vai-se a Primavera...
É o tempo em que a gente cresce...
O riso se muda em prece,
A alma não canta: espera!
E ao ninho do Coração
Desce outra ave: a Ilusão.
Mas esta, como a Alegria,
Nos foge... E fica deserto
O coração, na agonia
Do inverno que já vem perto.
Nas ruínas da Mocidade
É quando pousa a saudade...
Nova Cruz - Setembro de 1897.
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A EUGÊNIA
Imagem santa que entrevejo em sonho,
Sempre, sempre a cantar,
Criatura inocente, anjo risonho,
Que me ensinaste a amar!
Meu doce amor! Calhandra maviosa
Que canta dentro em mim;
Minha esperança tímida e formosa,
Meu sonho de marfim!
Amaranto do Céu, flor encantada,
Mimoso colibri;
Minha açucena pálida e magoada,
Meu níveo bogari;
Gota de orvalho a tremular n’um lírio
Que mal começa
a abrir;
Ó tu que apagas meu cruel martírio
E que me fazes rir;
Madressilva entreaberta, lira de ouro,
Celeste beija-flor;
Minha camélia, meu sorriso louro,
Amor de meu amor;
Guarda estes versos que só dizem mágoa
E tristezas sem fim...
Deixa-os no seio como a gota d’água
No cálix de um jasmim...
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A MORTE DE HELENA
“Eu não quero morrer,” dizia a pobre Helena,
E a fronte, a soluçar, caiu no travesseiro...
(Ai! recordava assim a pálida açucena
Ou, do galho a pender, a flor do jasmineiro!)
“Não me deixem morrer assim na primavera:
Esconde-me no seio, ó minha mãe querida!
A morte como é triste! e o noivo que me espera
Há de chamar por mim... Quem restitue-me a vida?
E se pôs a chorar: mas, chegando o delírio,
Esqueceu-se da morte e começou a rir...
Pobre noiva do amor! Pobre folha de lírio!
Ela os olhos cerrou, como quem vai dormir.
Misérrima criança! Estava ali bem perto
A morte, a se abeirar do seu leito sagrado,
Para arrastar-lhe o corpo ao túmulo deserto,
Onde não brilha o Sol e nem o Riso amado.
E, quando despertou daquele doce encanto,
Conheceu que morria e, cheia de pavor,
Suplicou a Jesus, por seu martírio santo,
Que a deixasse na terra ao pé de seu amor.
“Mas, sei que parto sempre”, acrescentou chorando.
“Mostrou-se-me da crença o doloroso véu...
Minha mãe vem comigo, a noite vai chegando
E eu talvez possa errar o caminho do céu!”
. . . . . . . . .
. . . . . . . . .
. . . . . .
E nessa mesma noite escura, tenebrosa,
Deixou a doce Helena a terra, pobre goivo!
Mas tinha para ungir-lhe a campa lutuosa
Uma prece de mãe e as lágrimas do noivo.
Angicos - 1896.
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O BEIJA-FLOR
Acostumei-me a vê-lo todo o dia
De manhãzinha, alegre e prazenteiro,
Beijando as brancas flores de um canteiro
No meu jardim - a pátria da ambrosia.
Pequeno e lindo, só me parecia
Que era da noite o sonho derradeiro...
Vinha trazer às rosas o primeiro
Beijo do Sol, n’essa manhã tão fria!
Um dia, foi-se e não voltou... Mas, quando
A suspirar, me ponho contemplando,
Sombria e triste, o meu jardim risonho...
Digo, a pensar no tempo já passado;
Talvez, ó coração amargurado,
Aquele beija-flor fosse o teu sonho!
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Remetente: Walter
Cid
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