Auta de Souza

1. Nunca Mais.
2. No Álbum de Eugênia.
3. Antonieta.
4. Cantai.
5. Pelo Passado.
NUNCA MAIS

                                  ... II n’est plus dans mon coeur
                       Une fibre que n’ait résonné sa Douleur.

                                       LAMARTINE - Harmonics.
 

Que é feito de meu sonho, um sonho puro
Feito de rosa e feito de alabastro,
Quimera que brilhava, como um astro,
Pela noite sem fim do meu futuro?
 

Que é feito deste sonho, o cofre aberto
Que recebia as gotas de meu pranto,
Bagas de orvalho, folhas de amaranto,
Perdidas na solidão de meu deserto?
 

Ele passou como uma nuvem passa,
Roçando o azul em flor do firmamento...
Ele partiu, e apenas o tormento,
Sobre minh’alma triste, inda esvoaça.
 

Meu casto sonho! Lá se foi cantando,
Talvez em busca de uma pátria nova.
Deixou-me o coração como uma cova,
E dentro dele, o meu amor chorando.
 

Nunca mais voltará... Pois, que lhe importa
Esta morada lúgubre e sombria?
Não pode agasalhar uma alegria
Minh’alma, pobre morta!

 

NO ÁLBUM DE EUGÊNIA
 

Quanta dor a boiar nos olhos das crianças,
Quanta gota a tremer no cálice das flores...
E aqui neste jardim, plantado de esperanças,
Eu venho inda depor a lágrima das dores.
 

A lágrima é o meu nome escrito entre as formosas
Páginas de teu livro, um berço de boninas!
Pois não bastava o orvalho a tremular nas rosas,
Nem o pranto a rolar nas faces pequeninas?
 

ANTONIETA
 

Esta criança formosa
Tem um sorriso argentino,
Como o gorjeio divino
Que solta uma ave saudosa.
 

Muito inocente e mimosa,
Semelha um lírio franzino,
No rostinho pequenino
Guarda uma boca de rosa.
 

Se fala, a voz adorada
É como uma harpa encantada
Que os hinos de Além encerra,
 

Esta criança, Senhor!
É um mimo de teu amor,
Um anjo descido à terra.
 

CANTAI
                                        A Edwiges de Sá Pereira
 

Ó vós, que guardais no seio
Com tanto amor e carinho,
- Com o mesmo doce receio
De um’ave que guarda o ninho:
 

As ilusões mais douradas
Que um’alma de moça encerra: -
Cantai as crenças nevadas
Que divinizam a terra;
 

Cantai a meiga harmonia
Das esperanças em flor,
Cantai a vida, a alegria,
Na lira santa do amor.
 

Cantai a vida, a alegria,
- Dizei-o nos vossos cantos -
É uma aurora querida
Que desabrocha sem prantos.
 

Expatriai a saudade,
- O espinho do coração -
Cantai a felicidade
De uma existência em botão.
 
 
 
 

É para vós a ventura,
A glória que o mundo tem...
Que vos importa a amargura
De um’alma que chora além?
 

Eu também irei cantando,
Como vós, meus pensamentos,
Vivendo sempre sonhando
Sem dores e sem tormentos.
 

E, já que não tenho amores,
E nem embalo esperanças...
Canto o perfume das flores,
Canto o riso das crianças.
 

PELO PASSADO
 

Era um dia de maio... Encheu-se o Templo
          De grande multidão;
Só rezavam aquelas que queriam
          A paz do coração.
 

Eu era desse número: ajoelhei-me,
          Fiz o sinal da Cruz...
Estava muito triste e desejava
          Conversar com Jesus.
 

Ao pé de seu santo Tabernáculo
          Comecei a chorar...
Lembrava-me da infância que fugira
          Para nunca voltar.
 

E repassei na mente atribulada,
          Assim, nessa atitude,
Os sonhos liriais e perfumosos
          De minha juventude. 
 

Porém, se o triste lábio murmurava
          Sentidas orações,
Eu ouvia o soluço angustiado
          De minhas ilusões.
 

De minhas ilusões que se partiam,
          Dolentes e chorosas,
Como os anjos voando d’este mundo
          Às plagas luminosas.
 

E enquanto assim aos pés do Redentor
          Choviam meus lamentos...
Já no Templo de todo se extinguia
         A luz dos círios bentos.

1893.
 

Remetente: Walter Cid


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