Auta de Souza
1. Página triste.
2. Recuerdo.
3. De longe.
4. Noemi.
5. Dolores. |
PÁGINA TRISTE
Há muita dor por este mundo a fora
Muita lágrima à toa derramada;
Muito pranto de mãe angustiada
Que vem saudar o despontar da aurora!
Alma inocente só de amor cercada
A criancinha a soluçar descora,
Talvez no berço onde o menino chora
Também, oh Dor, tu queiras, desolada,
Erguer um trono, procurar guarida...
Foge do berço! Não magoes a vida
D’esta ave implume, lirial botão...
Queres um ninho, um carinhoso abrigo?
Pois bem! Procura-o neste seio amigo,
Dentro em minh’alma, aqui no coração!
Macaíba - 1895
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RECUERDO
A Chiquinha Pinheiro.
Findava o mês de Maio envolto e preces,
O doce mês da orações formosas...
Iam com ele as encantadas messes
Dos perfumes, dos sonhos e das rosas.
Era muito à tardinha; as aves mansas
Voavam todas, em formosos pares,
Como se fossem garrulas crianças
Que andassem, rindo, a percorrer os ares!
E eu murmurei ao ver assim voando
Aquelas aves para os brandos ninhos:
“Ah! Quem me dera só andar cantando,
Sempre crianças, como os passarinhos!”
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DE LONGE
A. Antônia de Araújo
Para os teus anos, formosa,
Onde não vão meus desejos?
Mas, longe de ti, saudosa,
Só posso enviar-te beijos.
Seria, porém, com pressa,
Cheia de muito receio,
Que eu faria esta remessa
De beijos pelo correio.
E, então, pelo espaço alado
Eu vou soltá-los em bando,
Como um batalhão dourado
De passarinhos voando.
Podem, assim, os amores
Levar-te n’asa dispersos:
Minh’alma desfeita em flores
E o meu coração em versos.
Macaíba - 26-11-1896
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NOEMI
Eu quisera saber em que ela pensa,
Esta mimosa e santa criatura
Quando indeciso o seu olhar procura
Alguma estrela pelo Azul suspensa;
E que tristeza, indefinida, imensa,
Do seu olhar na flama, ardente e pura,
Intérmina e suave se condensa
Como as brumas no Céu em noite escura.
Pobre criança! Que infinita mágoa
Punge-te o seio e te anuvia os olhos
- Benditos olhos sempre rasos d’água! -
Choras... E o mundo te oferece flores...
Deixa os espinhos, lágrimas e abrolhos,
Só para mim, que só conheço dores!
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DOLORES
Já vão caminho no cemitério
Meus louros sonhos em visões negras,
E vão-se todos no Azul sidéreo
Como uma nuvem de toutinegras.
A noite de ontem levei chorando
Todo o passado de meus amores;
E o dia ainda me achou rezando
No imenso terço de minhas dores.
Vejo na vida longo deserto
Sem doce oásis de salvação.
Dentro em minh’alma, doida, chorosa,
De pobre moça tuberculosa,
Cheio de medo, trêmulo, incerto
Bate com força meu coração.
E assim morrendo, coitada, aos poucos,
Convulsa e fria, louca de espanto,
Solto suspiros, soluços roucos,
Olhando as cruzes do Campo Santo;
Porque me lembro que muito breve
Leva-me a ele tanta dor física.
E dentro em pouco, branco de neve,
Verão o esquife da pobre tísica.
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