Auta de Souza

1. O que são estrelas.
2. Pobre flôr.
3. Crepúsculo.
4. Bohemias.
5. No álbum de Dolores.
O QUE SÃO ESTRELAS

                                           A Jesuina Sampaio

Ai! Quantas vezes eu cismo,
À noite, olhando as estrelas.
Como quem sonda um abismo:
Meu Deus! O que serão elas?
 

E julgo que são pequenas
Almas gentis de crianças,
Voando as plagas serenas
Como um bando de esperanças.
 

Caçoulas brancas, sagradas,
Cheias de amor e de encantos,
Hóstias formosas, nevadas,
Eucaristia dos santos.
 

Sonhos de moça partidos,
Desilusões de poetas,
Raios de luz desprendidos
Das asas das borboletas.
 

Doces lírios transportados
Para uma encantada horta.
Sorrisos tristes, magoados,
De uns lábios de noiva morta.
 

Mimosos, lindos novelos,
Formados da luz serena,
Que aureolava os cabelos
Tão loiros de Magdalena.
 

Cada estrela, penso, encerra
Uma alma branca de rosa,
Que os anjos levam da terra
Para a Santa mais formosa.
 

Deve ser o Azul brilhante.
O manto azul de Maria,
E cada estrela um diamante
Que neste manto irradia.
 

Ou, talvez, penas dispersas
De um’asa nívea de arcanjo...
Pupilas em luz imersas
Dos olhos castos de um anjo...
 

Parecem círios divinos
No Azul imenso e sem véu...
Ninhos de ouro pequeninos
Dos beija-flores do Céu...

.. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..

E enquanto cismo, respondem
Os astros, brancos arminhos:
Nós somos berços que escondem
As almas dos passarinhos

Jardim  - 6 - 1897
 

POBRE FLOR !

Deu-m’a um dia antiga companheira
De tempinho feliz de adolescente;
E os meus lábios roçaram docemente
Pelas folhas da nívea feiticeira.
 

Como se apaga uma ilusão primeira,
Um sonho estremecido e resplendente,
Eu beijei-lhe a corola, rescendente
Inda mais que a da flor da laranjeira.
 

E como amava o seu formoso brilho!
Tinha-lhe quase essa afeição sagrada
Da jovem mãe ao seu primeiro filho.
 

Dei-lhe no seio uma pousada franca...
Mas, ai! depressa ela murchou, coitada!
Doce e mísera flor, cheirosa e branca!

Angicos - 1896

CREPÚSCULO

                                                    A Julia Lyra

Há pelo Espaço um ciciar dolente
De prece, em torno da Igrejinha em ruína...

  .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..
 

O Angelus soa. Vagarosamente
A noite desce, plácida e divina.
Ouço gemer meu coração doente
Chorando a tarde, a noiva peregrina.
 

Há pelo Espaço um ciciar dolente
De prece em torno da Igrejinha em ruína...
Pássaros voam compassadamente;
Treme no galho a rosa  purpurina...
 

E eu sinto que a tristeza vem suspensa
Sobre as asas da noite erma e sombria...
E que, n’essa hora de saudade imensa,
 

Rindo e chorando desce ao coração:
Toda a doçura da melancolia,
Todo o conforto da recordação.

Utinga - Novembro de 1898

BOHEMIAS

                                              A Rosa Monteiro

Quando me vires chorar,
Que sou infeliz não creias;
Eu choro porque no Mar
Nem sempre cantam sereias.
 

Choro porque, no Infinito,
As estrelas luminosas
Choram o orvalho bendito,
Que faz desabrochar as rosas.
 

Do lábio o consolo santo
É o riso que vem cantando...
O riso do olhar é o pranto:
Meus  olhos riem chorando.
 

O seio branco da aurora
Derrama orvalhos a flux...
O círio que brilha chora:
A dor também fere a luz?
 

Teus olhos cheios de ardores
Aninham rosas nas faces...
Que seria dessas flores,
Responde, se não chorasses?
 

Sou moça e bem sabes que
A moça não tem martírios;
Se chora sempre, é porque
Pretende imitar os lírios.
 

Enquanto eu viver no mundo,
Meus olhos hão de chorar...
Ah! como é doce o profundo
Soluço eterno do Mar!
 

Do lábio o consolo santo
É o riso que vem cantando...
O riso do olhar é o pranto:
Meus olhos riem chorando.

Jardim - 8 - 1897


NO ALBUM DE DOLORES

Escuta-me bem, Dolores,
Não queiras meu nome aqui:
Ele não é colibri
Para viver entre flores.
 

Tu’alma , irmã de Jesus,
Como consente ficar
Sobre a mesa de um altar
Um pobre círio sem luz?
 

Meu triste nome choroso
Quer uma outra habitação;
Guarda-o no teu coração,
Lírio celeste e formoso!
 

Rasga esta folha, Dolores,
Não deixes meu nome ai:
Ele não é colibri
Para viver entre flores.

Remetente: Walter Cid


 


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