Auta de Souza

1. Zirma.
2. Ciúme.
3. Melancolia.
4. De joelhos.
5. Simples.
ZIRMA

Foi em dezembro, no mês bendito,
No mês de festa, que ela partiu...
Desde esse tempo, do seu seio aflito
Minh’alma louca, também fugiu.
 

E foi tão grande minha agonia
Que quase morro de soluçar,
Quando beijei-a na boca fria
Como uma concha que sai do Mar!
 

Passava a noite...( lembro-me tanto!)
Noite de lua, misteriosa...
Choravam astros no etéreo manto...
Meu Deus, que noite silenciosa!
 

A lua mansa no Céu vogava,
Como um barquinho n’agua do rio,
E parecia que murmurava:
“No Céu formoso faz tanto frio!”
 

No esquife azuleo, feito a capricho,
Por entre rosas de alvura tanta,
Deitaram Zirma como no nicho
Guarda-se a imagem de alguma Santa.
 

O rosto branco da cor de gelo
Um doce lírio trazia á mente...
Na noite escura de seu cabelo,
Nem um só astro resplandecente!
 

Ninguém diria que estava morta
O lábio aberto por um sorriso,
Na terra triste, - que desconforto!
Quanta alegria - No Paraíso!
 

Qual uma virgem, pura e singela,
Que deixa o mundo para ser freira,
Toda de branco, tinha a capela
Feita de flores de laranjeira.
 

Por sobre o manto, formosa e leve,
Muito estrelado, de azul cetim,
Das mãos pequenas da cor da neve
Pendia o terço cor de marfim.
 

Subiu-me aos olhos, em doudo assomo,
O amargo pranto do coração,
Vendo-a tão linda, vestida como
Nossa Senhora da Conceição.
 

Os olhos negros eram dois círios
Que se extinguiram no pé do altar...
Aqueles olhos, meus dois martírios,
Quem contemplava sem soluçar!
 

Ó pobre Zirma, nívea açucena,
Camélia branca murchada na haste:
Por que fugiste da vida amena?
Por que tão cedo me abandonaste?
 

Eu precisava de teu carinho
Como de orvalho precisa a flor,
E embalde busco no meu caminho
O amparo doce de teu amor.
 

Anjo da guarda, formoso e santo,
Que me escondias nas tuas asas,
Quem é que agora me enxuga o pranto,
Cilício eterno na face em brasas!
 

Sem estes olhos que a morte cerra,
Sem o consolo de teu sorriso,
Como é que posso viver na terra,
Ó minha santa do Paraíso!

Nova Cruz - 1897
 

 

CIÚME

Não brinques ao sol, menina!
É tão preto o teu cabelo,
Que exposto ao sol que ilumina,
Jamais, jamais quero vê-lo.

Não sabes por que, Maria?...
Do sol o brilhante açoite
Só vem à terra de dia
Porque não gosta da noite.

E eu temo que ao ver formoso
O teu cabelo, um tesouro!
O sol, que  é tão invejoso,
Não queira torná-lo louro.

Louro, Maria! o repouso
Onde vacilo com a cruz,
O doce abrigo onde pouso
Meus olhos fartos de luz?

Não quero, flor de minh’alma,
Linda esperança em botão...
O dia não é que acalma
As mágoas do coração.

Quando a dor em fúria brusca
Lhe vem magoar o seio,
A treva da noite busca
Para chorar sem receio.

E a minha noite mais pura
No teu cabelo é que eu vejo;
Esqueço toda a amargura
Se a tua cabeça beijo!

.. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..

E agora, santa, avalia
Que pena teria eu
Se chegasse a ver um dia
O teu cabelo, Maria,
Da cor dos astros do céu!

Nova Cruz - Novembro - 1897.
 

MELANCOLIA
 

Sinto no peito o coração bater
Com tanta força que me causa medo...
Será a Morte, meu Deus? Mas é tão cedo!
         Deixai-me inda viver.

Tudo sorri por este campo em flor,
O Amor e a Luz vão pelo Céu boiando...
Só eu vagueio a suspirar, chorando
         Sem Luz e sem Amor.

Lutando sempre com uma dor cruel
Cheia de tédio e desespero, às vezes;
Minh’alma já tragou até às fezes
         O cálice de fel.

.. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..

E o coração no seio a palpitar,
Como se acaso não tivesse crença,
Pulsa com a força indefinida, imensa,
         Dos vagalhões do Mar.
 

DE JOELHOS

                                        A Maria da Glória Penna

Ajoelhada, ó minh’alma, abraçando o madeiro
Em que morreu Jesus, o teu celeste amigo!
A seus pés acharás o pouso derradeiro,
O derradeiro amparo, o derradeiro abrigo.

Ajoelha e soluça... A noite, mãe piedosa,
Te aperta contra o seio e te ensina a rezar...
Balbucia a oração, pequenina e formosa,
Das estrelas no céu e das ondas no Mar.

Ajoelha e soluça, implorando a alegria
Que a saudade sem fim do coração te arranca,
E a graça de viver, como a Virgem Maria,
Eternamente pura, eternamente branca.

Ajoelha e repete a prece imaculada
Que aprendeste a rezar no tempo de criança;
Deixa a prece subir como uma ária encantada
Se evolando da terra ao País da Esperança.

Ajoelha e soluça... A dúvida, que importa?
Ninguém poderá rir ante uma dor tamanha...
Todos beijam a Cruz, toda a descrença é morta
Quando se chega ao pé da sagrada montanha.

De joelhos, minh’alma, ao pé do lenho santo
Em que sofre Jesus a derradeira pena!
Deixa cair-lhe aos pés em gotas o teu pranto...
Que as enxugue no Céu a doce Madalena!

Ajoelha e soluça, implorando a alegria
Que a saudade sem fim do coração te arranca,
E a graça de viver, como a Virgem Maria,
Eternamente pura, eternamente branca...

Serra da Raiz - 2 - 1898.
 

SIMPLES

Eu amo as minhas lembranças,
Minhas saudades e dores,
Assim como amo as crianças,
Os passarinhos e as flores.
 

A criancinha que chora
É como o lírio ao nascer:
Um raio de sol implora
Para que chegue a viver.
 

E o raio de sol que damos
À pobre criança é o beijo...
O lábio que nós beijamos
Ressoa como um harpejo.
 

O pequeno passarinho
Esmola também o amparo:
Ai! guardemos o seu ninho
Como o tesouro mais caro.
 

As flores - no vil degredo
Da terra - vivem um dia!
Vamos levá-las bem cedo
À doce Virgem Maria.
 

Terão assim melhor sorte
Quando forem a murchar...
As rosas querem a morte
Que as desfolha ao pé do altar.
 

Ai! tudo que é fraco e triste
Precisa de amparo e luz...
E nada no mundo existe
Tão triste como uma  Cruz.
 

Por isso, adoro as lembranças,
As amarguras e as dores,
Assim como amo as crianças,
As andorinhas e as flores.
 

Remetente: Walter Cid


 


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