Auta de Souza

1. Benedita.
2. Trança loura.
3. Chorando.
4. Ao Senhor do Bonfim.
5. Versos a Inah.
BENDITA

Bendita sejas, minha mãe, bendito
Seja o teu seio, imaculado e santo,
Onde derrama as gotas de seu pranto
Meu dolorido coração aflito.
 

Ó minha mãe, ó anjo sacrossanto,
Bendito seja o teu amor, bendito!
Ouve do Céu o amargurado grito
Cheio da dor de quem soluça tanto.
 

E deixa que repouse em teus joelhos
A minha fronte, ouvindo os teus conselhos
Longe do mundo, ó sempiterna dita!
 

Envia lá do céu no teu sorriso
A morte que levou-te ao Paraíso...
Bendita sejas, minha mãe, bendita!

Jardim - 1893.
 

TRANÇA LOURA

A linda trança dourada
Que eu vi domingo à noitinha,
Guardava a maciez amada
Das penas de uma andorinha.
 

Recordava uma esperança
Bordada com fios d’ouro...
Ó doce e mimosa trança,
Meu raio de sol tão louro!
 

Ventura, sonho, alegria,
Tudo se resume ali...
Para tecer serviria
O ninho de um colibri.
 

Era já noite, e, no entanto,
A loura madeixa olhando,
Cuidei que, cheio de encanto,
O dia vinha raiando.
 

Deus fez-la numa redoma
De beijos, de luz, de amor,
E deu-lhe o sagrado aroma
Das madressilvas em flor.
 

Ah! sobre aqueles risonhos,
Dourados, macios folhos,
Quem dera embalar meus sonhos,
Quem dera cerrar meus olhos!
 

CHORANDO

                                 À alma santa de minha Mãe
 

Fazia noite... A tristeza
Tudo envolvia em seu véu;
Soluçava a Natureza,
Caía orvalho do Céu.
 

E n’aquela noite assim,
Tão tenebrosa e tão fria!
A minha mãe se partia
Para o Céu azul sem fim.
 

Falou-me a chorar: filhinha,
O vício do mundo aterra...
Tu’alma reúne à minha,
Fujamos ambas da terra.
 

Beijou-me... e, qual sonho doce,
Sua vida evaporou-se.

.. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 

Ó mãe! por que me deixaste
No mundo sem teu amor?
Sou como o lírio sem haste
Murchando triste inda em flor.

Podias ter-me levado
Ao Céu contigo, divina...
Iria em teu seio amado:
Eu era tão pequenina!
 

Fiquei sozinha e perdida,
Ó mãe! no mundo de abrolhos...
Na noite de minha vida
Derrama a luz de teus olhos!
 

Quanta tristeza se encerra
Do mundo no escuro véu!
Não quero morar na terra;
Contigo leva-me ao Céu!

Julho de 1897.
 

AO SENHOR DO BOMFIM

                        A Joaquina Felismina da Conceição.
 

                                                     Sofrer ou morrer!
                                         SANTA THEREZA DE JESUS
 

Amado Senhor,
Meu doce Jesus,
Que morres de amor
Suspenso da Cruz!
 

Em triste amargura,
Te vendo morrer,
Meu lábio murmura:
Eu quero sofrer!
 

Sofrer tanto, tanto,
(Senhor, sem cessar!).
Que os olhos, de pranto,
Se arrasem n’um mar.
 

Tu és meu amigo,
Meu sol, minha luz!
Reparte comigo
O peso da Cruz.
 

Bem vês quanto choro,
Tem pena de mim!
A Ti só adoro
Senhor do Bomfim.

Serra da Raiz - 10 de Janeiro de 1898.
 

VERSOS A INAH

                                                    Na Procissão
 

Passaste rindo... E o teu perfil modesto,
Cheio de graça e cheio de inocência,
À doce luz daquele riso honesto,
Tinha de um sonho a doce transparência.
 

Teus lindos olhos castos e sagrados,
Ingênuos como os olhos das crianças,
Pareciam dois céus imaculados,
Tão azuis como as minhas esperanças.
 

Desmanchou-se-te a trança cor de ouro
Enquanto assim passavas rindo, rindo...
E eu murmurei, ó meu gentil tesouro,
Fitando os olhos nesse olhar tão lindo:
 

“Ó tranças cor da alegria,
Olhar que um sorriso fez:
Olhos de Santa Luzia,
Cabelos de Santa Ignez!
 

Dourai, dourai meus abrolhos,
Ó tranças que o vento leva...
Olhos, ficai nos meus olhos,
Que eles são feitos de treva.
 

Cabelos cheios de luz,
Não fujam, que eu vou chorar...
Ai! lindos olhos azuis,
Descansem no meu olhar.
 

Mas teus cabelos voaram
Teus olhos...não mais os vi:
Os olhos que me fitaram,
As tranças por que morri...
 

Ó tranças cor da alegria,
Dourai, dourai meus abrolhos...
Olhos que a graça alumia,
Vinde morar nos meus olhos...

1 de Janeiro de 1898.
 

Remetente: Walter Cid


 
 


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