Auta de Souza

1. Fefa.
2. No jardim das Oliveiras.
3. Crianças.
4. Palavras tristes.
5. Meu pai.
FEFA

                                  A D. Ignez Maria de Almeida
 

Engraçada e pequenina
Eu imagino-a tão leve
Como uma doce bonina,
Uma açucena de neve.
 

No rosto, claro e risonho,
Guarda a brancura de um véu;
Traz à mente um casto sonho,
Um sonho vindo do Céu.
 

Chamam-n’a Fefa. É tão bela
Como um sorriso sem fim,
Mimosa como uma estrela
E pura como um jasmim...
 

O nome não lhe vai bem,
Outro melhor lhe cabia:
Àquela nívea cessem
Deviam chamar  Maria.
 

Parece do Céu. É linda
Como um menino Jesus:
Não fala direito ainda
Mas beija sorrindo a Cruz.
 

Às vezes, junta as mãozinhas
E finge que vai rezar...
Eu penso nas andorinhas:
Quando se põe a rezar
O lábio das criancinhas
É um’asa a palpitar.
 

Meu Deus! quanta luz se encerra
D’aquela vida no albor...
Protege, Jesus, na terra,
O seio branco da flor.
 

A alma que tu lhe deste
Guarda-a, Senhor, do martírio:
Derrama o orvalho celeste
No coração d’este lírio!

Serra da Raiz, - Fevereiro de 1898.
 

NO JARDIM DAS OLIVEIRAS
 

“Minh’alma é triste até à morte...” Doce,
Jesus falou... E o Nazareno santo
Chorava, como se a su’alma fosse
Um mar imenso de amargura e pranto.
 

Depois, silencioso, ele afastou-se
E foi rezar no mais sombrio canto.
Seu grande olhar formoso iluminou-se
Fitando o etéreo e estrelejado manto.
 

“Pai, tem piedade...” E sua vez plangente
Tremia, enquanto pelas trevas mudas
Baixava manso o triste olhar dolente.
 

Pobre Jesus! Como n’um sonho via:
Em cada sombra a traição de Judas,
Em cada estrela os olhos de Maria!

Macaíba - 7 de Abril de 1898.
 

CRIANÇAS

               A Antônia de Araújo, companheira amada dos 
                                 tempos  do colégio.
 

Moro na rua da Ventura. Perto,
Há um ninho - é a aula das meninas;
Trazem-me sempre o coração desperto
Os risos dessas almas cristalinas.
 

Sinto-me alegre. Vivo sem saudade,
Sem, desconforto, sem desesperanças.
Sou bem feliz na minha soledade
Ouvindo o pipilar d’essas crianças.
 

A’s duas horas ergo-me da banca
Onde medito: vai fechar-se a escola...
Que bem me faz esta algazarra franca
De aves gentis que voam da gaiola!
 

Gosto de vê-las quando saem rindo
Alegremente, as mansas andorinhas.
São doze ao todo. Que rebanho lindo
De inocentes e castas ovelhinhas!
 

Vem na frente a maior. Já quase moça,
Olhos azuis e fronte cismadora:
Uma açucena de esquisito louça,
De face cor de neve e trança loura.
 

É séria e triste. Chama-se Laurita;
Tem uma voz que me seduz e encanta;
Veste sempre de azul e é tão bonita
Com os seus ares de pequena santa!
 

Passa depois Sophia, uma criança
De olhar mais negro do que a noite escura.
Vive sempre a sorrir como a Esperança,
Vive sempre a cantar como a Ventura!
 

E aquela doida que lá vai correndo
Em risco de tombar nas pedras duras?
É Lúcia. A vida quer levar fazendo
Todos os dias essas travessuras.
 

Depois, Sarah e Rebecca... Borboletas
Irmãs no olhar, no rosto e nos vestidos;
São dois anjinhos de madeixas pretas,
Gêmeos sorrisos, corações unidos!
 

Segue-as a linda e ingênua moreninha
De nome terno e encantador: Dolores,
Uma singela e pálida amiguinha
Que todas as manhãs guarda-me flores.
 

Hoje, está triste. Nem me deu bom dia!
Deixou cair as rosas pela estrada.
- Que é do teu canto, doce cotovia?
(Reparem ela como vai zangada!)
 

Desce em seguida a meiga Valentina,
Dez anos tem. Parece um Querubim...
Uma açucena pálida e franzina,
Um encantado e pálido jasmim!
 

E a Inocência? Vem chorando tanto!
Que te fizeram, minha sensitiva?
Quem foi que os olhos te inundou de pranto,
Quem te causou essa amargura viva?
 

Já sei: a mestra quis ralhar contigo,
E foi bem feito, colibri travesso!
Fiquei alegre com o teu castigo;
Por que não me dás beijos quando os peço?
 

Ouço chamar pelo meu nome... É Santa,
Um diabrete muito engraçadinho...
- Soube a lição? - Não me responde, canta...
- Graça inocente, voa para o ninho!
 

Puxando a trança de Lucília, passa
Celeste, a loura; correm como doidas...
Por que é que tarda a pequenina Garça,
A mais mimosa e mais gentil de todas!
 

Ei-la! É um anjo a divagar na terra,
Um beija-flor que prendem na gaiola...
Quanta candura o seu sorriso encerra,
Quanta inocência d’esse olhar se evola!
 

Como eu a amo e que tristeza infinda,
Sinto nos dias em que não a vejo...
Ah! como adoro essa mãozinha linda, 
Tão pequenina que parece um beijo!
 

E eu digo ao ver das criancinhas mansas
O bando alegre e luminoso e forte:
Vós sois no mundo claras esperanças,
Rosas da vida, embalsamando a morte!
 

O vosso olhar é como um livro aberto
Onde soletro as minhas alegrias...
Oásis santo num cruel deserto,
Negro e sem fim, de fundas agonias.
 

Em breve as férias chegarão, e eu triste
Quantas semanas vou passar distante
De vosso olhar onde a Candura existe,
De vosso riso claro e hilariante!
 

E para não ficar tão só, tão louca,
Presa da cisma ao doloroso enleio,
Dai-me as cantigas que levais na boca,
Dai-me as quimeras que guardais no seio!
 

Pois já suspiro pela aurora mansa
Que há de trazer com o sol do novo ano,
Para a voss’alma mais uma esperança,
Para a minh’alma mais um desengano.
 

Anjos da terra, flores animadas,
Aves do céu que a chilrear passais...
Como vos quero, evocações amadas
Do meu passado que não volta mais!
 

Ah, quem me dera os sonhos perfumados
D’aquele tempo de ideal fragrância...
Cantai! cantai! ó rouxinóis sagrados,
Lembrai-me os dias da primeira infância!
 

PALAVRAS TRISTES

                                         Ao Nenenzinho

Quando eu deixar a terra, anjo inocente,
Ó meu formoso lírio perfumado!
Reza por mim, de joelhos, docemente,
Postas as mãos no seio imaculado,
Quando eu deixar a terra, anjo inocente!
 

És a estrela gentil das minhas noites,
Noites que mudas no mais claro dia.
Não tenho medo aos gélidos açoites
Da escuridão se a tua luz me guia,
Ó estrela gentil das minhas noites!
 

Quando eu deixar a terra, dá-me flores
Boiando à tona de um sorriso teu;
Que os risos das crianças são andores
Onde os anjos nos levam para o céu...
Quando eu deixar a terra, quero flores!
 

Flores e risos me tecendo o manto,
Manto celeste feito de esperanças...
Quando eu d’aqui me for, não quero pranto,
Só quero riso, preces de criança:
Flores e risos me tecendo um manto!
 

Anjo moreno de alma cor de lírio,
Mais branca do que a estrela da Alvorada...
Meu coração na hora do martírio
Pede o consolo de uma prece amada,
Anjo moreno de asas cor do lírio!
 

Quando eu deixar a terra, anjo inocente,
Ó meu formoso lírio perfumado!
Reza por mim, de joelhos, docemente,
Postas as mãos no seio imaculado,
Quando eu deixar a terra, anjo inocente!

Serra da Raiz - Fevereiro de 1898.
 

MEU PAI

                        À minha tia Maria Concórdia de Souza
 

Veste de luto a minha pobre lira
E canta a endecha da saudade eterna;
Toda minh’alma, trêmula, suspira
Cuidando ouvir a doce voz paterna.
 

Meu velho pai! Ligeiro como um’ave
Cruzando os Céus à hora do sol posto,
Eu vi passar o teu perfil suave,
Mas nem ao menos pude olhar teu rosto!
 

Então voltei-me para o grande espaço
E perguntei a minha avó, sorrindo:
“Assim, às pressas, sem levar-me ao braço,
Por que vai ele para o Azul fugindo?
 

Ela beijou-me a fronte docemente
E a sua voz em lágrimas ungida,
Disse baixinho, dolorosamente:
“Vai ver no Céu a tua mãe querida.”

.. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..

Eu espero por ti há tantos anos.
Ó mão piedosa que me abençoaste!
Todos os dias chegam desenganos
E ao lar deserto nunca mais voltaste!
15 de Janeiro de 1898.
 

Remetente: Walter Cid


 


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