Auta de Souza

1. Saudade.
2. Soledade.
3. Renascimento.
4. Oswaldo.
5. Obrigada.
SAUDADE
                        A ela, a Eugênia, a doce criatura que me 
                        chama irmã.
 

Ah! se soubesse quanto sofro e quanto
Longe de ti meu coração padece!
Ah! se soubesses como dói o pranto
Que eternamente de meus olhos desce!
 

Ah! se soubesses!... Não perguntarias
De onde é que vem esta sombria mágoa
Que traz-me o peito cheio de agonias
E os tristes olhos arrasados d’água!
 

Querem que a lira de meus versos cante
Mais esperança e menos amargura,
Que fale em noites de luar errante
E não invoque a pobre noite escura.
 

Mas... como posso eu levar sonhando
A vida inteira n’um anseio infindo,
Se choro mesmo quando estou cantando
Se choro mesmo quando estou sorrindo!
 

Ouve, ó formosa e doce e imaculada,
Visão gentil de eterna fantasia:
Minh’alma é uma saudade desfolhada
De mãe querida sobre a cova fria.
 

Ah! minha mãe! Pois tu não sabes, santa,
Que Ela partiu e me deixou no berço?
Desde esse dia a minha lira canta
Toda a saudade que lhe inspira o verso!
 

Depois que Ela se foi a Mágoa veio
Encher-me o coração de luto e abrolhos.
Eu sofro tanto longe de seu seio,
Eu sofro tanto longe de seus olhos!
 

Ó minha Eugênia! Estrela abençoada
Que iluminas o horror deste deserto...
De teu afeto a chama consagrada
Lança à minh’alma como um pálio aberto.
 

Quando beijares teus filhinhos, pensa
O que seria d’eles sem teus beijos;
E, então, compreenderás a dor imensa,
A amargura cruel destes harpejos!
 

Junta as mãozinhas dos pequenos lírios,
Das criancinhas que tu’alma adora,
E ensina-os a rezar sobre os martírios
E a saudade infinita de quem chora.

 

SOLEDADE

Ó doce morenita
De olhar magoado e triste,
Onde a Saudade existe
E o Desconsolo habita...
 

Faz pena ver-te assim
À hora do sol posto,
Anuviado o rosto,
Ó meigo serafim!
 

Às vezes penso e cismo
No que te faz sofrer.
E sinto que o meu ser
Quer desvendar um abismo.
 

Por que soluça tanto
Um coração de pomba,
Se a noite amena tomba
Cheia de paz e encanto?
 

Por que teu cílio treme
Interrogando a lua?
Que grande dor é a tua?
Por que teu seio geme?
 

Acaso esta saudade
Que o teu olhar encerra
Será porque na terra
Chamam-te Soledade?
 

Será? Mas que lembrança
Foi essa, meu jasmim,
De dar um nome assim
A um’alma que é um sonho.
 

A um’alma que é um sonho
Mais branco do que um véu,
Caído lá do céu
Neste paul medonho!
 

RENASCIMENTO
                                                   A Olegária Siqueira
 

Manhã de rosas. Lá no etéreo manto,
O sol derrama lúcidos fulgores,
E eu vou cantando pela estrada, enquanto
Riem crianças e desabrocham flores.
 

Quero viver! Há quanto tempo, quanto!
Não venho ouvir na selva os trovadores!
Quero sentir este consolo santo
De quem, voltando à vida, esquece as dores.
 

Ouves, minh’alma? Que prazer no ninhos!
Como é suave a voz dos passarinhos
Neste tranqüilo e plácido deserto!
 

Ah! entre os risos da Natura em festa,
Entoa o hino da alegria honesta,
Canta o Te Deum, meu coração liberto!
 

OSWALDO
                                                       A D. Sinhá Medeiros
 

Oswaldo é um lírio. Nos olhitos francos
Conserva um mundo precioso e lindo;
Quando ele ri, os seus dentinhos brancos
Lembram à gente um bogari abrindo.
 

É um pequeno querubim risonho;
E se bem longe meu olhar o avista,
Não sei por que só me recordo, em sonho,
Do cordeirinho de São João Batista.
 

Às vezes beijo-o delicadamente.
E o beijo canta sobre os olhos seus,
Enquanto eu cismo carinhosamente
Que beijo os olhos do menino Deus.
 

OBRIGADA!
                                                     A Nininha Andrade
 

... E tu rezas por mim! Como agradeço
Essa esmola gentil de teu carinho...
Como as torturas de minh’alma esqueço
Nessa tua oração, floco de arminho!
 

Eu te bendigo, ó santa que estremeço,
Alma tão pura como a flor do linho.
É tua prece à mágoa que padeço
Asa de pomba defendendo um ninho!
 

Reza, criança! Junta as mãos nevadas
E cerra as níveas pálpebras amadas
Sobre os teus olhos como um lindo véu...
 

Depois, nas asas de uma prece ardente,
Deixa cantar minh’alma docemente,
Deixa subir meu coração ao céu!

Alto da Saudade - 21 de Maio de 1899.
 

Remetente: Walter Cid


 


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