Auta de Souza

1. Pombos mensageiros.
2. Sylvio.
3. Minh' alma e o verso.
4. Never more.
5. Hora de paz.
 POMBOS MENSAGEIROS
                                                           A Amélia Moura

Foi ontem, minha santa,
À hora do sol posto:
 

                 (Quanta saudade, quanta,
                   Chorava no meu rosto!)
 

Transformados em pombos cor de neve,
Entraram-me a cantar pela janela,
A tua carta delicada e leve
E o beijo amigo que envolveste nela.
 

Ó que alegria para o coração
Onde a Saudade, sempre em flor, renasce!
A carta leve me pousou na mão
E o beijo amigo acarinhou-me a face.
 

E então, a rir, ó pomba idolatrada!
Eu transformei meu coração em ninho:
N’ele repousa a tua carta amada
E canta o beijo a ária do carinho.

Alto da Saudade, 31-5-1890

 

 SYLVIO
                                    A  D. Emília Coelho Ribeiro

     Ó mães que tendes filho, mães piedosas!
      Quando eles morrerem criancinhas,
      Enfeitai-lhes o caixão de brancas rosas;
      Deixai, deixai voar as andorinhas!
      Em busca das paragens luminosas!
                       GUERRA JUNQUEIRO
 

Sylvio morreu. Docemente.
Su’alma se foi, voando
Como uma pomba dolente
Que deixa a terra cantando.
 

“Não murches, olha de rosa!
Espera que chegue o inverno...
Cansaste, rola formosa?
Pousa no seio materno.”
 

Mas Sylvio voou sorrindo
À pátria que a glória encerra...
Era um anjo meigo e lindo,
E os anjos não são da terra.
 

Nossa Senhora é que os leva
Aqui do mundo mesquinho;
Quer vê-los, longe da treva,
Brincando com o seu filhinho.
 

Quando se vai n’um sorriso
Uma criança adorada,
Ao chegar ao Paraíso,
Diz uma lenda encantada.

Jesus lhe entrega, risonho,
Para a salvar do martírio,
Duas asas da cor do Sonho
E um pequenino círio.
 

Mas, se a mãe padece tanto
Na terra, sempre chorando,
Molham-se as asas de pranto
E o círio vai-se apagando.
 

Então o pobre do anjinho
Já não procura brincar,
Soluça a um canto sozinho
Porque não pode voar.
 

E, se o círio, doce e puro,
Pouco a pouco perde a luz,
Como pode ele no escuro
Ver o menino Jesus?
 

Pobre mãe! não chores tanto
O filho do coração...
Vais apagar com teu pranto
A vela que tem na mão.
 

Depois ouvirás clamar,
Do Céu entre as níveas gazas:
Ó mãe, não posso voar
Teu pranto molha-me as asas!
 

 MINH’ALMA E O VERSO
 

Não me olhes mais assim... Eu fico triste
Quando a fitar-me o teu olhar persiste
          Choroso e suplicante...
Já não possuo a crença que conforta.
Vai bater, meu amigo, a uma outra porta.
          Em terra mais distante.
 

Cuidavas que era amor o que eu sentia
Quando meus olhos, loucos de alegria,
          Sem nuvem de desgosto,
Cheios de luz e cheios de esperança,
N’uma carícia ingenuamente mansa,
          Pousavam no teu rosto?
 

Cuidavas que era amor? Ah! se assim fosse!
Se eu conhecesse esta palavra doce,
          Este queixume amado!
Talvez minh’alma mesmo a ti voasse
E n’um berço de flor ela embalasse
          Um riso abençoado.
 

Mas, não, escuta bem: eu não te amava.
Minha alma era, como agora, escrava...
          Meu sonho é tão diverso!
Tenho alguém a quem amo mais que a vida,
Deus abençoa esta paixão querida:
          Eu sou noiva do Verso.
 

E foi assim. Num dia muito frio.
Achei meu seio de ilusões vazio
          E o coração chorando...
Era o meu ideal que se ia embora,
E eu soluçava, enquanto alguém lá fora
          Baixinho ia cantando:
 

          “Eu sou o orvalho sagrado
          Que dá vida e alento às flores;
          Eu sou o bálsamo amado
          Que sara todas as dores.
 

          Eu sou o pequeno cofre
          Que guarda os risos da Aurora;
          Perto de mim ninguém sofre,
          Perto de mim ninguém chora.
 

          Todos os dias bem cedo
          Eu saio a procurar lírios,
          Para enfeitar em segredo
          A negra cruz dos martírios.
 

          Vem para mim, alma triste
          Que soluças de agonia;
          No meu seio o Amor existe,
          Eu sou filho da Poesia.”
 

Meu coração despiu toda a amargura,
Embalado na mística doçura
          Da voz que ressoava...
Presa do Amor na delirante calma,
Eu fui abrir as portas de minh’alma
          Ao verso que passava...

Desde esse dia, nunca mais deixei-o;
Ele vive cantando no meu seio,
          N’uma algazarra louca!
Que seria de mim se ele fugisse,
Que seria de mim se não ouvisse
          A voz de sua boca!
 

Não posso dar-te amor, bem vês. Meus sonhos
São da Poesia os ideais risonhos,
          Em lago de ouro imersos...
Não sabias dourar os meus abrolhos,
E eu procurava apenas nos teus olhos
          Assunto para versos.
 

 NEVER MORE
                                                 A uma falsa amiga

I

Não te perdôo, não, meu tristes olhos
Não mais hei de fitar nos teus, sorrindo:
Jamais minh’alma sobre um mar de escolhos
Há de chamar por ti no anseio infindo.
 

Jamais, jamais, nos delicados folhos
Do coração como n’um ramo lindo,
Há de cantar teu nome entre os abrolhos
A ária gentil de meu sonhar já findo.
 

Não te perdôo, não! E em tardes claras,
Cheias de sonhos e delícias raras,
Quando eu passar à hora do Sol posto:
 

Não rias para mim que sofro e penso,
Deixa-me só neste deserto imenso...
Ah! se eu pudesse nunca ver teu rosto!
 

II
 

Ah! se eu pudesse nunca ver teu rosto!
E nem sequer o som de tua fala
Ouvir de manso à hora do Sol posto
Quando a Tristeza já do Céu resvala!

Talvez assim o fúnebre desgosto
Que eternamente a alma me avassala
Se transformasse n’um luar de Agosto,
Sonho perene que a Ventura embala.
 

Talvez o riso me voltasse à boca
E se extinguisse essa amargura louca
De tanta dor que a minha vida junca...
 

E, então, os dias de prazer voltassem
E nunca mais os olhos meus chorassem...
Ah! se eu pudesse nunca ver-te, nunca!
 

HORA DE PAZ
 

Como é feliz a hora do descanso!
Quando sinto os meus olhos, manso e manso,
           Morrendo para a luz...
Todas as dores da Saudade esqueço,
Junto as mãos sobre o seio e adormeço
           Sorrindo para a Cruz...
 

Remetente: Walter Cid


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