Auta de Souza

1. Ao pé do túmulo.
2. Regina Martyrum.
3. Mimo de anos.
4. Lágrimas.
5. Falando ao coração.
AO PÉ DO TÚMULO
                                                                   Aos meus
 

Eis o descanso eterno, o doce abrigo
Das almas tristes e despedaçadas;
Eis o repouso, enfim; e o sono amigo
Já vem cerrar-me as pálpebras cansadas.
 

Amarguras da terra! eu me desligo
Para sempre de vós... Almas amadas
Que soluças por mim, eu vos bendigo,
Ó almas de minh’alma abençoadas.
 

Quando eu d’aqui me for, anjos da guarda,
Quando vier a morte que não tarda
Roubar-me a vida para nunca mais...
 

Em pranto escrevam sobre a minha lousa:
“Longe da mágoa, enfim, no céu repousa
Quem sofreu muito e quem amou demais”.

 

REGINA MARTYRUM
 

Lírio do Céu, sagrada criatura,
Mãe das crianças e dos pecadores,
Alma divina como a luz e as flores
Das virgens castas a mais casta e pura;
 

Do Azul imenso, d’essa imensa altura
Para onde voam nossas grandes dores,
Desce os teus olhos cheios de fulgores
Sobre os meus olhos cheios de amargura!
 

Na dor sem termo pela negra estrada
Vou caminhando a sós, desatinada,
- Ai! pobre cega sem amparo ou guia! -
 

Sê tu a mão que me conduza ao porto...
Ó doce mãe da luz e do conforto,
Ilumina o terror d’esta agonia!
 

MIMO DE ANOS
                                        À pequenita Maurina Gomes
 

Pensei ao acordar:
Faz anos Sinhazinha.
À minha afilhadinha
Que mimo posso dar?
 

E, d’alma nos refolhos,
Alguém disse-me, então:
Leva-lhe o coração
E a bênção de teus olhos.
 

E logo, ó flor celeste!
Corri a abençoar-te...
Mas, antes de abraçar-te,
A minha mão vieste
 

Beijar tão docemente,
Com tão gentil carinho,
Como o de um pobrezinho
Beijando a mão clemente
 

D’aquele que o consola
Lançando-lhe no seio,
Cheio de humilde enleio,
A pequenina esmola!
 
 

E eu cismo, então, com pejo:
Bênção e coração,
Acaso valerão
O mimo d’esse beijo?
 

Um beijo de criança,
Caindo em minhas dores,
É como o Sol nas flores.
O pálio da esperança.
 

E enquanto, ó lírio, voa
A ti meu coração,
Beijando a minha mão,
É’s tu quem me abençoa...

.. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 

Ó doce inocentinha,
Guarda a sonhar, contigo,
O coração amigo
E a bênção da madrinha.

26, Agosto de 1899
 

LÁGRIMAS
                                              A meu irmão João Câncio
 

Eu não sei o que tenho... Essa tristeza
Que um sorriso de amor nem mesmo aclara,
Parece vir de alguma fonte amara
Ou de um rio de dor na correnteza.
 

Minh’alma triste na agonia presa,
Não compreende esta ventura clara,
Essa harmonia maviosa e rara
Que ouve cantar além, pela devesa.
 

Eu não sei o que tenho... Esse martírio,
Essa saudade roxa como um lírio,
Pranto sem fim que dos meus olhos corre,
 

Ai, deve ser o trágico tormento,
O estertor prolongado, lento, lento,
Do último adeus de um coração que morre...
 

FALANDO AO CORAÇÃO
                                                 A Generosa Pinheiro

Desperta, coração! vamos morar
N’uma casinha branca, ao pé do Mar...
Que seja linda como é linda a Lua
Que em noites santas pelo Azul flutua:
Imaculada como a luz do Amor,
Alva de neve como um sonho em flor.
 

Quando a Noite vier... se no meu seio
Estremeceres cheio de receio,
- Tremendo a sombra que amortalha o Dia
E cobre a terra de melancolia, -
Longe do mundo e da desesperança,
Hei de embalar-te como uma criança.
 

Quero que escutes o gemer profundo
Do Mar que chora a pequenez do mundo
E ouças cantar a doce barcarola
Da noite imensa que se desenrola,
Dando perfume ao coração dos lírios,
Trazendo sonhos para os meus martírios.
 

E quando o Sol nascer; quando, formosa
Como uma garça branca e misteriosa,
Batendo as asas cor de neve, a Aurora
Vier cantando pelo mundo a fora,
Rufla as asas também... e forte, então,
Tu podes palpitar, meu coração!

Acorda para a Vida e canta e canta,
O Sol da Terra - iluminada e santa!
Deixa o teu sonho de saudade e dores
Dormir no seio trêmulo das flores...
E foge e foge pelo Espaço, à toa,
Pomba exilada que a seus lares voa!
 

Esquece a louca e pálida amargura
Que há tantos anos meu viver tortura...
Canta o teu hino de ilusão querida,
Esquece tudo o que não seja a Vida,
E, para o Céu das alegrias mansas,
Conduz nas asas minhas esperanças...
 

Não vês? Minh’alma é como a pena branca
Que o vento amigo da poeira arranca
E vai com ela assim, de ramo em ramo,
Para um ninho gentil de gaturamo...
Leva-me, ó coração, como esta pena
De dor em dor até à paz serena.
 

Desperta, coração, vamos morar
N’uma casinha branca, ao pé do Mar...
Quero que escutes, a sonhar comigo,
A queixa eterna do Oceano amigo
E ouças o canto triunfal da Aurora
Batendo as asas pelo Mar a fora...

Barro Vermelho.
 

Remetente: Walter Cid
 



 

[ ÍNDICE DO AUTOR ][ PÁGINA PRINCIPAL ]