Auta de Souza

1. Saudação.
2. Meu Pai.
3. Os canários.
4. Adeus.
5. Irineu.
SAUDAÇÃO
                   A meu irmão Henrique, no dia de seus anos
 

É chegado, enfim, o dia
Das harmonias do lar.
Nos rostos vê-se a alegria
De corações a saltar;
Nos lábios, meigo sorriso
Vindo lá do Paraíso
Em eflúvios divinais;
Como nuvens perfumosas
Derramando sobre as rosas
Os orvalhos matinais.
 

Não vês, meu irmão, que festa,
Que saudosa embriaguez
Nos mandam lá da floresta
As flores por sua vez?
Parece que a Natureza
Ostenta com mais beleza
Às suas graças gentis...
E conosco vem contente
Trazer-te um lindo presente
Nestes perfumes sutis.
 

Não ouves os periquitos
Que povoam nosso lar?
Com esses alegres gritos
Querem também te saudar.
E os travessos passarinhos,
Como encantados anjinhos
A sorrir lá n’amplidão,
Vêm n’uns adejos divinos,
Nos biquinhos purpurinos
Sustendo meu coração.
 

Aceita-o... É feito de rosas,
De margaridas, jasmins;
As suas fibras mimosas
São belas como rubins.
Recebe, pois, com carinhos
Nas asas dos passarinhos
Que cantam nesta manhã,
Como uma sincera humília,
As saudações da família
E os beijos de tua irmã...

15 de Março de 1893.
 

MEU PAI
                                                                       A Eloy
 

Desce, meu Pai, a noite baixou mansa.
Nem uma nuvem se vê mais no céu:
Aninharam-se aqui no peito meu,
Onde, chorando, a negra dor descansa.
 

Quando morreste eu era bem criança,
Balbuciava, sim, o nome teu,
Mas d’este rosto santo que morreu
Já não conservo a mínima lembrança.
 

A noite é clara; e eu, aqui sentada,
Tenho medo da lua embalsamada,
Corta-me o frio a alma comovida.
 

Se lá no Céu teu coração padece,
Vem comigo rezar a mesma prece:
Tua bênção, meu pai, me dará vida!
 

 OS CANÁRIOS
                            E eles eram dois mansos passarinhos

Queriam-se na paz indefinida
           Das almas que são puras,
Cheios de amor, de luz e de carinhos,
Eles passavam docemente a vida,
           Isentos de amarguras.
Então sorriam, sem pensar que a morte
Inda podia lhes mudar a sorte.
           E sempre eles cantavam
           Se no espaço adejavam!
 

           Ao despontar da aurora
Chalravam, procurando, estrada a fora,
           O alimento do dia.
               Saltando de alegria
Assim voltavam conversando a medo
E pousavam, alegremente, rindo,
           Nos ramos do arvoredo.
 

Eu quisera saber o seu segredo:
           Devia ser tão lindo!
Depois, ruflando as asas amarelas,
Iam embora... E eu, triste e sozinha,
           Olhava para as belas
Ramagens, onde eles mansamente
           Pousavam à tardinha.
 

A viração, gemendo docemente,
Vinha beijar as avezinhas puras.
 

Terminaram, porém, tantas venturas:
           Morreu um passarinho
           Ficou deserto o ninho!
 

O outro partiu... Não sei onde foi ter;
Talvez bem longe, para, então, morrer,
           Em triste soledade.
           E o meu olhar dorido
Seguiu a ave, pelo pavor ferido.
           Ficava uma saudade!
 

E murmurei comigo entristecida:
           Ó asa aventureira!
Levas toda a paixão de minha vida,
           Levas minh’alma inteira!
 

Desde então vivo triste. Às vezes penso
Neste sofrer indefinido, imenso
           D’um pobre coração
   Que nas asas do tempo vê voar,
           A chorar,
           A última ilusão...

1893
 

ADEUS!
 

“Espera, eu voltarei.” Ele dizia
(Quanto era triste o seu olhar tão doce!)
Chorosa e terna a fala lhe tremia
Como se a corda de algum’harpa fosse.
 

E ela, a pálida noiva estremecida,
Fitou no amado os grandes olhos seus,
E murmurou, baixinho e comovida,
Quase a chorar e muito a medo: Adeus!
 

 IRINEU
 

Num dia turvo assim foi que partiste
Cheio de dor e de tristeza cheio.
Eu fiquei a chorar num doido anseio
Olhando o espaço merencório, triste.
 

Não sei se mágoa mais profunda existe
Que esta saudade que me oprime o seio,
Pois a amargura que ferir-me veio
Naquele dia, ó meu irmão! persiste.
 

Os anos que se foram! Entanto, eu cismo
A todo o instante, no profundo abismo
Que veio a morte entre nós dois abrir.
 

Mas cada noite, n’asa de uma prece,
Ou num raio de sol quando amanhece,
Vejo tu’alma para o céu subir...
 

Remetente: Walter Cid
 
 

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