Auta de Souza

1. Feliz.
2. Adoração dos reis magos.
3. Agnus Dei
4. Hoje.
5. Ano bom.
 FELIZ

Dizes-me que a ventura te foi dada
E contente tu’alma jamais chora:
Vives sorrindo à luz de uma alvorada
E a noite para ti é cor da aurora...
 

Não creio nessa dita, me perdoa.
Ninguém na terra pode ser feliz.
Até o sino que na torre soa
Tem sua dor, nem sempre ele bem-diz.
 

Longe... distante... Pelo azul chalrando,
A modular uns hinos tão suaves,
Pássaros meigos lá se vão cantando...
Mas tu crês na ventura d’essas aves?
 

Repara bem naquela que ficou 
Pousada lá no cimo da aroeira:
Ela chora, coitada, pois deixou
Muito longe perdida a companheira.
 

Aves da terra, em tímidos adejos,
Também alegres como as rolas mansas,
Rostos corados, recendendo beijos,
Correm cantando grupos de crianças.
 

E enquanto passa, em revoada louca,
Este dourado batalhão de arcanjos,
Eu quero ouvir-te da risonha boca
Se é eterna a ventura desses anjos.
 

A moça também sofre... Um áureo cofre
Guarda-lhe os prantos e o martírio duro,
E, de todas, aquela que mais sofre
É a que tem o coração mais puro.

Jardim - 1893.
 

 

ADORAÇÃO DOS REIS MAGOS

Jesus sorri. Que ternura,
Que doce favo de luz
Vejo brilhar na candura
De seus dois olhos azuis!
 

Chegam os Magos. De joelho,
Cheios de unção e de amor,
Beijam o pesinho vermelho
Do pequenino Senhor.
 

Trazem-lhe mesmo um tesouro
Lembrando glória e tormento:
Caçoulas de incenso e ouro
É a mirra do sofrimento.
 

Ó Reis do Grande Oriente,
Por que lembrastes, então,
Á mãe do louro inocente
A dor sem fim da Paixão?
 

Não vedes que a Virgem chora
Olhando a mirra cruel?
É que ela se lembra agora
Da esponja embebida em fel.
 

Talvez não vísseis o lindo
Bando gentil de pastores
Que o rodearam sorrindo,
Mas só lhe trouxeram flores!
 

AGNUS DEI

Encore un hymne, ó ma lyre!
Un hymne pour le Seigneur!
Un hymne dans mon délire,
Un hymne dans mon bonheur!
                       LAMARTINE
 

Viens vite, ô doux Jesus, habiter dans mon âme,
Donne-lui de gouter la douceur de ta voix;
Montre-moi, grand Dieu, la pure et chaste flamme
                    Qui embellit ta Croix!
 

Écoute, mon Sauveur, les soupirs trés ardents
Que fait voler vers toi ma pauvre âme ulcerée,
Qu’auprês de tes autels je passe les moments
                    De ma vie d’exilée!
 

Ô sante Eucharistie, ô vin délicieux!
Ô Pain sacré de 1’Ange et froment des élus!
Viens descendre en mon âme, ô gage merveilleux
                    De l’amour de Jesus!
 

Ici-bas je dois vivre inconnue, oublée,
Mais alors il me faut un éclatant miracle,
Et je veux qu’il soit fait par la manne cachée
                    Au fond du Tabernacle!
 

Ô Jesus, mon amour, la doceur de ma vie,
Viens étancher la soif de mon coeur altéré;
Je veux aller à toi par les mains de Marie,
                    Ô divin Bien-aimé!...
 
 

Donne-moi de t’aimer comme un pur Séraphin,
Pour bien te recevoir, remplis-moi de ferveur...
A toi seul je consacre, ô mon Maitre divin,
                    Tout l’amour de mon coeur!
 

HOJE

Fiz anos hoje... Quero ver agora
Se este sofrer que me atormenta tanto
Me não  deixa lembrar a paz, o encanto, 
A doce luz de meu viver de outr’ora.
 

Tão moça e mártir! Não conheço aurora,
Foge-me a vida no correr do pranto,
Bem como a nota de choroso canto
Que a noite leva pelo espaço em fora.
 

Minh’alma voa aos sonhos do passado,
Em busca sempre d’esse ninho amado
Onde pousava cheia de alegria.
 

Mas, de repente, num pavor de morte,
Sente cortar-lhe o vôo a mão da sorte...
Minha ventura só durou um dia.

12 de Setembro de 1894.
 

ANO BOM
 

Hoje começa o ano. Na alegria
De nívea pomba quando nasce a aurora,
Deixa, minh’alma, a tua fantasia
Subir, cantando, pelo espaço a fora...
 

Deixa-a sumir-se além, rompendo gazas,
Subindo em busca de ideais queridos:
Há de trazer nas pequeninas asas
Todo o perfume dos meus dias idos!
 

Há de trazer o sonho transparente
Da inocência feliz (quanto eu sonhava!)
E o eco virginal da voz dolente
Que o meu sono de arcanjo acalentava.
 

E o meu sorriso e as minhas esperanças,
Essas ingênuas ilusões de um dia,
Toda essa luz que as almas das crianças
Num raio de luar acaricia...
 

Que tudo venha sobre mim cantando
O salmo doce da recordação.
Qual se pousesse um luminoso bando
De passarinhos no meu coração...
 

Remetente: Walter Cid
 


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