Alcides Werk


Das Águas Grandes

o barco passando e a onda molhando o menino molhado, na porta da frente. O homem doente deitado na rede com os olhos cansados de espanto e de mágoa de ver tanta água de ver tanta água bebendo do sangue, roendo as raízes de tudo o que fez. Na estreita maromba, os bichos chorando de fome e de frio, com medo do rio com medo do rio que cresce outra vez. (Quando eu for Presidente, de amplos e amorosíssimos poderes, decretarei, sem visto do congresso, nem processo, canonizando santos nacionais os mártires da enchente. Convocarei um exército de anjos para domar o rio e o desvario dos prováveis dilúvios anuais. Mesmo assim, por razões de previdência, visto que temos mártires demais e precisamos de gente, levarei meus irmãos pra terra firme, onde casa não pode ser navio, nem se esteja sujeito às caprichosas emoções do rio.) o barco passando, e meus olhos sofrendo da mesma miséria da mesma miséria que vêem. E, de repente, me vem uma vontade provisória de encher os bolsos de demagogia, entrar em cada casa com uma estória, qualquer que seja - que não seja séria, falar de tudo - menos de miséria, prometer coisas que não cumprirei, como se faz em tempo de eleições, para que sejam menos infelizes (enquanto o rio esconde as roças podres), mastigando ilusões.


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