Alcides Werk


Do Tempo Entre Duas Águas

A mãe-do-rio virá com suas águas poderosas, e inundará a várzea, e cobrirá os jutais e os tapiris, e invadirá os domínios da mata. Minha gente conhecerá, ainda uma vez, o espanto da enchente e a ilusão dos jutais e das lamas humosas, e se refugiará nas marombas com seus animais e as sementes de novas esperanças. Os peixes se multiplicarão nos igapós, e o rio doará à varzea a fertilidade das águas. As florestas indomadas guardarão, ainda, as riquezas da terra firme e o segredo milenar das nossas jazidas. Então, convocaremos a força benéfica que desobstruirá os canais dos nossos sonhos, e iluminará os nossos corações; e nos ensinará os caminhos da urbe, com suas indústrias e seu comércio, em que não seremos um amontoado de seres revoltados; e nos ensinará os caminhos da várzea, em que cultivaremos os nossos alimentos, sem sermos consumidos pelas águas; e nos ensinará os caminhos da terra firme, em que apaziguaremos as florestas e o subsolo, sem enveredarmos por transamazônicas impossíveis. E o espírito da cidade será um bom companheiro, e não nos punirá a cada dia por nossas vidas; e a mãe-do-rio permanecerá fértil e generosa, e apascentará os cardumes que alimentarão nossos filhos; e o senhor da mata porá nos nossos lábios a palavra certa para o diálogo com as árvores e com a terra. E terá chegado a hora em que perpetuaremos o gesto simples do amanho e da partilha justa, entre nós mesmos, dos nossos bens.


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