Alexandre Herculano


Deus

Nas horas do silêncio, à meia-noite, Eu louvarei o Eterno! Ouçam-me a terra, e os mares rugidores, E os abismos do inferno. Pela amplidão dos céus meus cantos soem E a Lua prateada Pare no giro seu, enquanto pulso Esta harpa a Deus sagrada. Antes de tempo haver, quando o infinito Media a eternidade, E só do vácuo as solidões enchia De Deus a imensidade, Ele existia, em sua essência envolto, E fora dele o nada: No seio do Criador a vida do homem Estava ainda guardada: Ainda então do mundo os fundamentos Na mente se escondiam Do Onipotente, e os astros fulgurantes Nos céus não se volviam. Eis o Tempo, o Universo, o Movimento Das mãos sai do Senhor: Surge o Sol, banha a terra, e desabrocha Sua primeira flor: Sobre o invisível eixo range o globo: O vento o bosque ondeia: Retumba ao longe o mar: da vida a força A natureza anseia! Quem, dignamente, ó Deus, há de louvar-te Ou cantar teu poder? Quem dirá de teu braço as maravilhas, Fonte de todo o ser, No dia da criação; quando os tesouros Da neve amontoaste; Quando da terra nos mais fundos vales As águas encerraste?! E eu onde estava, quando o Eterno os mundos, Com destra poderosa, Fez, por lei imutável, se livrassem Na mole poderosa? Onde existia então? No tipo imenso Das gerações futuras; Na mente do meu Deus. Louvor a Ele Na terra e nas alturas! Oh, quanto é grande o Rei das tempestades, Do raio, e do trovão! Quão grande o Deus, que manda, em seco estio, Da tarde a viração! Por sua Providência nunca, embalde, Zumbiu mínimo inseto; Nem volveu o elefante, em campo estéril, Os olhos inquieto. Não deu ele à avezinha o grão da espiga, Que ao ceifador esquece; Do norte ao urso o Sol da primavera, Que o reanima e aquece? Não deu Ele à gazela amplos desertos, Ao cervo a amena selva, Ao flamingo os pauis, ao tigre o antro, No prado ao touro a relva? Não mandou Ele ao mundo, em luto e trevas, Consolação e luz? Acaso, em vão, algum desventurado Curvou-se aos pés da cruz? A quem não ouve Deus? Somente ao ímpio No dia da aflição, Quando pesa sobre ele, por seus crimes, Do crime a punição. Homem, ente imortal, que és tu perante A face do Senhor? És a junça do brejo, harpa quebrada Nas mãos do trovador! Olha o velho pinheiro, campeando Entre as nuvens alpinas: Quem irá derribar o rei dos bosques Do trono das colinas? Ninguém! Mas ai do abeto, se o seu dia Extremo Deus mandou! Lá correu o aquilão: fundas raízes Aos ares lhe assoprou. Soberbo, sem temor, saiu na margem Do caudaloso Nilo, O corpo monstruoso ao Sol voltando, Medonho crocodilo. De seus dentes em volta o susto habita; Vê-se a morte assentada Dentro em sua garganta, se descerra A boca afogueada: Qual duro arnês de intrépido guerreiro É seu dorso escamoso; Como os últimos ais de um moribundo Seu grito lamentoso: Fumo e fogo respira quando irado; Porém, se Deus, mandou, Qual do norte impelida a nuvem passa, Assim ele passou! Teu nome ousei cantar! — Perdoa, ó Nume; Perdoa ao teu cantor! Dignos de ti não são meus frouxos hinos, Mas são hinos de amor. Embora vis hipócritas te pintem Qual bárbaro tirano: Mentem, por dominar, com férreo cetro, O vulgo cego e insano. Quem os crê é um ímpio! Recear-te É maldizer-te, ó Deus; É o trono dos déspotas da terra Ir colocar nos céus. Eu, por mim, passarei entre os abrolhos Dos males da existência Tranqüilo, e sem terror, à sombra posto Da tua Providência.


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