Leandro
Gomes de Barros
ANTONIO
SILVINO
o
rei dos cangaçeiros
O
povo me chama grande
E
como de fato eu sou
Nunca
governo venceu-me
Nunca
civil me ganhou
Atrás
de minha existência
Não
foi um só que cansou.
Já
fazem 18 anos
Que
não posso descansar
Tenho
por profissão o crime
Lucro
aquilo que tomar,
O
governo às vezes dana-se
Porém
que jeito há de dar?!
O
governo diz que paga
Ao
homem que me der fim,
Porém
por todo dinheiro
Quem
se atreve a vir a mim?
Não
há um só que se atreva
A
ganhar dinheiro assim.
Há
homens na nossa terra
Mais
ligeiros do que gato,
Porém
conhece meu rifle
E
sabe como eu me bato,
Puxa
uma onça da furna,
Mas
não me tira do mato.
Telegrafei
ao governo
E
ele lá recebeu,
Mandei-lhe
dizer: doutor,
Cuide
lá no que for seu,
A
capital lhe pertence
Porém
o estado é meu.
O
padre José Paulino
Sabe
o que ele agora fez?
Prendeu-me
dois angaceiros,
Tinha
outro preso fez três,
O
governo precisou
Matou
tudo de uma vez.
Porém
deixe estar o padre,
Eu
hei de lhe perguntar
Ele
nunca cortou cana
Onde
aprendeu a amarrar?
Os
cangaceiros morreram
Mas
ele tem que os pagar.
Depois
ele não se queixe,
Dizendo
que eu lhe fiz mal,
Eu
chego na casa dele,
Levo-lhe
até o missal,
Faço
da batina dele
Três
mochilas para sal.
Um
dos cabras que mataram,
Valia
três Ferrabrás
Eu
não dava-o por cem papas,
Nem
quinhentos cardeais
Não
dava-o por dez mil padres,
Pois
ele valia mais.
Mas
mestre padre entendeu
Que
ia acertadamente
Em
pegar meus cangaceiros
E
fazer deles presente,
Quem
tiver pena que chore
Quem
gostar fique contente.
Meus
cangaceiros morreram
Mas
ele morre também,
Eu
queimando os pés aqui
Nem
mesmo o diabo vem,
Eu
não vou criar galinhas
Para
dar capões a ninguém.
Tudo
aqui já me conhece
Algum
tolo inda peleja,
Eu
sou bichão no governo
E
sou trunfo na igreja.
Porque
no lugar que passo
Todo
mundo me festeja.
No
norte tem quatro estados
À
minha disposição,
Pernambuco
e Paraíba
Dão-me
toda distinção,
Rio-Grande
e o Ceará
Me
conhecem por patrão.
No
Pilar da Paraíba
Eu
fui juiz de direito,
No
povoado - Sapé,
Fui
intendente e prefeito,
E
o pessoal dali
Ficou
todo satisfeito.
Ali
no entroncamento
Eu
fui Vigário-Gral,
Em
Santa Rita fui bispo,
Bem
perto da capital,
Só
não fui nada em Monteiro,
Devido
a ser federal.
Porém
tirando o Monteiro,
O
resto mais todo é meu,
Aquilo
eu faço de conta
Que
foi meu pai que me deu
O
governo mesmo diz:
Zele
porque tudo é seu.
Na
vila de Batalhão,
Eu
servi de advogado,
Lá
desmanchei um processo
Que
estava bem enrascado,
Livrei
três ou quatro presos
Sem
responderem jurado.
Só
não pude fazer nada
Foi
na tal Santa Luzia.
Perdi
lá uma eleição,
A
cousa que eu não queria,
Mas
o velho rifão diz:
Roma
não se fez n’um dia.
O
padre José Paulino
Pensa
que angu é mingau
Entende
que sapo é peixe
E
barata é bacurau
Pegue
com chove e não molha,
Depois
não se meta em pau.
Eu
já encontrei um padre,
Recomendado
de papa,
Tinha
o pescoço de um touro,
Bom
cupim para uma tapa,
Fomos
às unhas e dentes,
Foi
ver aquela garapa.
Quando
o rechochudo viu
Que
tinha se desgraçado,
Porque
meu facão é forte,
Meu
baço é muito pesado,
Disse:
vôte, miserável,
Abancou
logo veado.
Eu
gritei-lhe: padre-mestre,
Me
ouça de confissão.
Ele
respondeu-me: dane-se
Eu
lhe deixo a maldição,
Em
mim só tinha uma coroa,
Você
fez outra a facão.
Eu
inda o deixei correr
Por
ele ser sacerdote,
Para
cobra só faltava
Enroscar-se
e dar o bote,
Aonde
ele foi vigário,
Quatro
levaram chicote.
Foi
tanto qu’eu disse a ele:
Padre
não seja atrevido
Tire
a peneira dos olhos,
Veja
que está iludido,
Eu
lhe respeito a coroa,
Porém
não o pé do ouvido.
O
velho padre Custódio,
Usurário,
interesseiro,
Amaldiçoava
quem desse
Rancho
a qualquer cangaceiro,
Enterrou
uma fortuna,
E
eu sonhei com o dinheiro!...
Então
fui na casa dele,
Disse,
padre eu quero entrar,
Sonhei
com dinheiro aqui!...
E
preciso o arrancar,
Quero
levá-lo na frente
Para
o senhor me ensinar.
O
padre fez uma cara,
Que
só um touro agastado,
Jurou
por tudo que havia,
Não
ter dinheiro enterrado,
Eu
lhe disse, padre-mestre,
Eu
cá também sou passado.
Lance
mão do cavador,
E
vamos ver logo os cobres,
Esse
dinheiro enterrado
Está
fazendo falta aos pobres,
Usemos
de caridade
Que
são sentimentos nobres.
Dez
contos de réis em ouro
Achemos
lá n’um surrão,
Três
contos de réis em prata
Achou-se
n’outro caixão,
Eu
disse: padre não chore,
Isso
é produto do chão.
O
padre ficou chorando
Eu
disse a ele afinal
Padre
mestre este dinheiro
Podia
lhe fazer mal
Quando
criasse ferrugem
Lhe
desgraçava o quintal.
Ajuntei
todos os pobres
Que
tinham necessidade
Troquei
ouro por papel
Haja
esmola em quantidade
Não
ficou pobre com fome
Ali
naquela cidade.
O
padre José Paulino
Acha
que estou descansado
Queria
fazer presente
Ao
governo do Estado
Deu
três cangaceiros meus
Sem
nada lhe ter custado.
Um
desses ditos rapazes,
Estava
até tuberculoso,
O
segundo era um asmático,
O
terceiro era um leproso,
O
urubu que o comeu
Deve
estar bem receioso.
Tive
nos meus cangaceiros
Um
prejuízo danado,
Primeiro
foi Rio-Preto,
Segundo
Pilão-Deitado,
Os
homens mais destemidos
Que
tinham me acompanhado.
Eu
juro pelo meu rifle,
Que
o Padre José Paulino
Cai
sempre na ratoeira
E
paga o grosso e o fino,
Não
há de casar mais homem,
Nem
batizar mais menino.
Eu
sempre gostei de padre
Tenho
agora desgostado
Padre
querer intervir
Em
negócio do Estado?!...
Viaja
sem o missal,
Mas
leva o rifle encostado.
Em
vez de estudar o meio
Para
nos aconselhar,
Só
quer saber com acerto,
Armar
rifle e atirar,
Lá
onde ele ordenou-se,
Só
lhe ensinaram a brigar.
Depois
ele não se queixe,
Nem
diga que sou malvado,
Ele
nunca assentou praça
Como
pode ser soldado?
Não
tem razão de queixar-se,
Se
tiver mau resultado.
Quatro
estados reunidos
Tratam
de me perseguir,
Julgam
que não devo ter
O
direito de existir,
Porém
enquanto houver mato,
Eu
posso me escapulir.
Eu
ganhando essas serras,
Não
temo alguém me pegar
Ainda
sendo um que pegue,
Uma
piaba no mar,
Um
veado em mata virgem
E
uma mosca no ar.
Eu
já sei como se passa
Cinco
dias sem comer,
Quatro
noites sem dormir,
Um
mês sem água beber,
Conheço
as furnas onde durmo
Uma
noite se chover.
Uma
semana de fome,
Não
me faz precipitar,
Mato
cinco ou seis calangos
Boto
no sol a secar,
Quatro
ou cinco lagartixas,
Dão
muito bem um jantar.
Eu
passei mais de um mês
Numa
montanha escondido,
Um
rapaz meu companheiro
Foi
pela onça comido,
Por
essa também
Eu
fui muito perseguido.
Era
um lugar esquisito,
Nem
passarinho cantava!...
Apenas
à meia noite
Uma
coruja piava,
Então
uma grande onça,
De
mim não se descuidava.
Havia
muito mocós,
Eu
não podia os matar,
Andava
tropa na serra
Dia
e noite a me caçar,
No
estampido do tiro
Era
fácil alguém me achar.
Passava-se
uma semana
Que
nada ali eu comia,
Eu
matava algum calangro
Que
por perto aparecia
Botava-os
na pedra quente
Quando
secava eu comia.
Quando
apertava-me a sede
Pegava
a croa de frade
Tirava
o miolo dela
Chupava
aquela umidade
Lá
eu conheci o peso
Da
mão da necessidade.
Um
dia que a tropa andava
Na
serra me procurando
Viram
que um grande tigre,
Estava
em frente os emboscando
Um
dos oficiais disse:
Estamos
nos arriscando.
E
o Antonio Silvino
Não
anda neste lugar,
Se
ele andassem, aquela onça
Havia
de se espantar,
Eu
estava perto deles,
Ouvindo
tudo falar.
Ali
desceu toda a tropa,
Não
demoraram um momento,
Um
soldado que trazia
Um
saco de mantimento,
Por
minha felicidade
Deixou-o
por esquecimento.
Eu
estava dentro do mato,
Vi
quando a tropa desceu
O
tigre soltou um urro,
Que
o tenente estremeceu
Até
a borracha d’água
Uma
das praças perdeu.
Quando
eu vi que a tropa ia
Já
n’uma grande lonjura,
Fui,
apanhei a mochila,
Achei
carne e rapadura,
Farinha
queijo e café,
Aí
chegou-me a fartura.
Achei
a borracha d’água
Matei
a sede que tinha,
A
carne já estava assada,
Fiz
um pirão de farinha
Enchi
a barriga e disse:
Deus
te dê fortuna, oncinha.
Porque
a tua presença,
Fez
toda a força ir embora,
O
ronco que tu soltasses,
encheu-me
a barriga agora,
Eu
com a sede que estava,
Não
durava meia hora.
E
é agora o que faço,
Havendo
perseguição,
Procuro
uma gruta assim
E
lá faço habitação,
Só
levo lá, um, dous rifles
E
o saco de munição.
Me
mudo para uma furna
Que
ninguém sabe onde é,
A
furna tem meia légua
Marcando
de vante a ré,
A
onça chega na boca
Mas
dentro não põe o pé.
A
onça conhece a furna,
Desde
a entrada à saída
Porém
qual é essa fera
Que
não tem amor à vida?
Uma
onça parte assim,
Se
vendo quase perdida!...
Quando
eu deixar de existir
Ninguém
fica em meu lugar,
Ainda
que eu deixe filho,
Ele
não pode ficar,
Porque
a um pai como eu
Filho
não pode puxar.
Pode
ter muita coragem
Ser
bem ligeiro e valente,
Mas
vamos ver suporta
Passar
três dias doente,
Com
sede de estalar beiço
E
fome de serrar dente.
Se
não tiver natureza
De
comer calango cru,
Passe
um mês sem beber água
Chupando
mandacaru,
Dormir
em furna de pedra
Onde
só veja tatu.
Não
podendo fazer isso,
Nem
pense em ser cangaceiro,
Que
é como um cavalo magro
Quando
cai no atoleiro,
Ou
um boi estropiado
Perseguido
do vaqueiro.
Há
de ouvir como cachorro,
Ter
faro como veado,
Ser
mais sutil do que onça,
Maldoso
e desconfiado,
Respeitar
bem as famílias,
Comer
com muito cuidado.
Andar
em qualquer lugar
Como
quem está no perigo,
Se
for chefe de algum grupo
Ninguém
dormirá consigo,
O
próprio irmão que tiver,
O
tenha como inimigo.
O
cangaceiro sagaz
Não
se confia em ninguém,
Não
diz para onde vai,
Nem
ao próprio pai se tem,
Se
exercitar bem nas armas,
Pular
muito e correr bem.
Em
meu grupo tem entrado
Cabra
de muita coragem,
Mas
acha logo o perigo
E
encontra a desvantagem
Foge
do meio do caminho,
Não
bota o meio da viagem.
Porque
andar vinte léguas
Isso
não é brincadeira,
E
romper mato fechado,
Subir
por pedra e ladeira,
Como
eu já tenho feito,
Não
é lá cousa maneira.
Pegar
cobra como eu pego
Quando
ela quer me morder,
Cascavel
com sete palmos,
Só
se Deus o proteger,
Mas
eu pego quatro ou cinco
E
solto-a, deixo-a viver.
Que
é para ela saber,
Que
só eu posso ser duro,
Eu
já conheço o passado,
Nele
ficarei seguro,
Penso
depois no presente
Previno
logo o futuro.
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