Bernardo Guimarães


Hino à Tarde

A tarde está tão bela e tão serena Que convida a cismar .. Ei-la saudosa E meiga reclinada Em seu etéreo leito, Da muda noite amável precursora; Do róseo seio aromas transpirando, Com vagos cantos, com gentil sorriso Ao repouso convida a natureza. Montão de nuvens, como vasto incêndio, Resplende no horizonte, e o clarão rábido Céus e montes ao longe purpureia. Pelas odoras veigas As auras brandamente se espreguiçam, E o sabiá na encosta solitária Saudoso cadenceia Pousado arpejo, que entristece os termos. Oh! que grato remanso! — que hora amena, Propícia aos sonhos d'alma! Quem me dera voltar à feliz quadra, Em que este coração me transbordava De emoções virginais, de afetos puros! Em que esta alma em seu selo refletia, Como o cristal da fonte, pura ainda, Todo o fulgor do céu, toda a beleza E magia da terra! ...ó doce quadrar Quão veloz te sumiste — como um sonho Nas sombras do passado! Quanto eu te amava então, tarde formosa. Qual pastora gentil, que se reclina Rósea e louçã, sobre a macia relva, Das diurnas fadigas descansando; A face em que o afã lhe acende as cores, Na mão repousa — os seios lhe estremecem No mole arfar, e o lume de seus olhos Em suave langor vai desmaiando; Assim me aparecias, meiga tarde, Sobre os montes do ocaso debruçada; Tu eras o anjo da melancolia Que à paz da solidão me convidava. Então no tronco, que o tufão prostrava No viso da colina ou na erma rocha, Sobre a margem do abismo pendurada, Me assentava a cismar, nutrindo a mente De arroubadas visões, de aéreos sonhos. Contigo a sós sentindo o teu bafejo De aromas e frescor banhar-me a fronte, E afagar brandamente os meus cabelos, Minh'alma então boiava docemente Por um mar de ilusões e parecia Que um coro aéreo, pelo azul do espaço, Me ia embalando com sonoras dálias: De um puro sonho sobre as asas de ouro Me voava enlevado o pensamento, Encantadas paragens devassando; Ou nas vagas de luz que o ocaso inundam Afoito me embebia, e o espaço infindo Transpondo, ia entrever no estranho arroubo Os radiantes pórticos do Elísio. Ó sonhos meus, ó ilusões amenas De meus primeiros anos, Poesia, amor, Saudades, esperanças, Onde fostes? por que me abandonasses? Inda do tempo me não pesa a destra E não me alveja a fronte; — inda não sinto Cercar-me o coração da idade os gelos, E já vós me fugis, ó ledas flores De minha primavera! E assim vós me deixais, — tronco sem seiva, Só, definhando na aridez do mundo? sonhos meus, por que me abandonasses? A tarde está tão bela e tão serena Que convida a cismar: — vai pouco a pouco Desmaiando o rubor dos horizontes, E pela amena solidão dos vales Caladas sombras pousam: — breve a noite Abrigará com a sombra de seu manto A terra adormecida. Vinde ainda uma vez, meus sonhos de ouro, Nesta hora, em que tudo sobre a terra Suspira, cisma ou canta, Como esse afagador extremo raio, Que à tarde pousa sobre as grimpas ermas, Vinde pairar ainda sobre a fronte Do bardo pensativo; — iluminara Com um raio inspirado; Antes que os ecos todos adormeçam Da noite no silêncio, Quero um hino vibrar nas cordas d'harpa Para saudar a filha do crepúsculo. Ai de mim! — esses tempos já caíram Na sombria voragem do passado! Os meus Sonhos queridos se esvaíram, Como após o festim murchas se espalham As flores da grinalda: Perdeu a fantasia as asas de ouro Com que Se alava às regiões sublimes De mágica poesia, E despojada de seus doces sonhos Minh'alma vela a sós com o sofrimento, Qual vela o condenado Em sombria masmorra à luz sinistra De amortecida lâmpada. Adeus, formosa filha do Ocidente, Virgem de olhar sereno que meus sonhos Em doces harmonias transformavas; Adeus, ó tarde! — já nas frouxas cordas Rouqueja o vento e a voz me desfalece... Mil e mil vezes raiarás ainda Nestes sítios saudosos que escutaram De minha lira o desleixado acento; Mas ai de mim! nas solitárias veigas Não mais escutarás a voz do bardo, Hinos casando ao sussurrar da brisa Para saudar teus mágicos fulgores! Silenciosa e triste está minh'alma, Bem como lira de estaladas cordas Que o trovador esquece pendurada No ramo do arvoredo, Em ócio triste balançando ao vento.


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