Bernardim Ribeiro


Cantiga
da Menina e Moça

Pensando-vos estou, filha; vossa mãe me está lembrando; enchem-se-me os olhos d'água, nela vos estou lavando. Nascestes, filha, entre mágoa, para bem inda vos seja, que no vosso nascimento vos houve a fortuna inveja. Morto era o contentamento, nenhuma alegria ouvistes; vossa mãe era finida, nós outros éramos tristes. Nada em dor, em dor crescida, não sei onde isto há de ir ter; vejo-vos, filha, formosa, com olhos verdes crescer. Não era esta graça vossa para nascer em desterro; mal haja a desaventura que pôs mais nisto que o erro. Tinha aqui sua sepultura vossa mãe, e a mágoa a nós; não éreis vós, filha, não, para morrerem por vós. Não houve em fados razão, nem se consentem rogar; de vosso pai hei mor dó, que de si se há de queixar. Eu vos ouvi a vós só, primeiro que outrem ninguém; não fôreis vós se eu não fora; não sei se fiz mal, se bem. Mas não pode ser, senhora, para mal nenhum nascentes, com este riso gracioso que tendes sobr’olhos verdes. Conforto mas duvidoso, me é este que tomo assim; Deus vos dê melhor ventura da que tivestes até aqui. Que a dita e a formosura dizem patranhas antigas, que pelejaram um dia, sendo dantes muito amigas. Muitos hão que é fantasia; eu, que vi tempos e anos, nenhuma coisa duvido como ela é azo de danos. Mas nenhum mal não é crido, o bem só é esperado, e na crença e na esperança, em ambas há uma mudança, em ambas há um cuidado.


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