Castro Alves

DALILA

Fair defect of nature. Milton (Paradise Lost)
Foi desgraça, meuDeus!... Não!... Foi loucura Pedir seiba de vida — à sepultura, Em gelo — me abrasar, Pedir amores — a Marco sem brio, E a rebolcar-me em leito imundo e frio — A ventura buscar. Errado viajor — sentei-me à alfombra E adormeci da mancenilha à sombra Em berço de cetim... Embalava-me a brisa no meu leito... Tinha o veneno a lacerar-me o peito — A morte dentro em mim... Foi loucura!... No ocaso — tomba o astro; A estátua branca e pura de alabastro — Se mancha em lodo vil... Quem rouba a estrela — à tumba do ocidente? Que Jordão lava na lustral corrente O marmóreo perfil?... ....................................................................... Talvez!... Foi sonho!... Em noite nevoenta Ela passou sozinha, macilenta, Tremendo a soluçar... Chorava — nenhum eco respondia... Sorria — a tempestade além bramia... E ela sempre a marchar. E eu disse-lhe: Tens frio? — arde minha alma. Tens os pés a sangrar? — podes em calma Dormir no peito meu. Pomba errante — é meu peito um ninho vago! Estrela — tens minha alma — imenso lago — Reflete o rosto teu!. . . E amamos — Este amor foi um delírio... Foi ela minha crença, foi meu lírio, Minha estrela sem véu... Seu nome era o meu canto de poesia, Que com o sol — pena de ouro — eu escrevia Nas lâminas do céu. Em seu seio escondi-me... como à noite Incauto colibri, temendo o açoite Das iras do tufão, A cabecinha esconde sob as asas, Faz seu leito gentil por entre as gazas Da rosa do Japão. E depois... embalei-a com meus cantos Seu passado esqueci... lavei com prantos Seu lodo e maldição... ... Mas um dia acordei... E mal desperto Olhei em torno a mim. . . — Tudo deserto... Deserto o coração... Ao vento, que gemia pelas franças Por ela perguntei... de suas tranças À flor que ela deixou... Debalde... Seu lugar era vazio... E meu lábio queimado e o peito frio, Foi ela que o queimou... Minha alma nodoou no ósculo imundo, Bem como Satanás — beijando o mundo — Manchou a criação, Simum — crestou-me da esperança as flores... Tormenta — ela afogou nos seus negrores A luz da inspiração ... Vai, Dalila!... É bem longa tua estrada... É suave a descida — terminada Em báratro cruel. Tua vida — é um banho de ambrosia... Mais tarde a morte e a lâmpada sombria Pendente do bordel. Hoje flores... A música soando... As perlas do Champagne gotejando Em taças de cristal. A volúpia a escaldar na louca insônia... Mas sufoca os festins de Babilônia A legenda fatal. Tens o seio de fogo e a alma fria. O cetro empunhas lúbrico da orgia Em que reinas tu só!... Mas que finda o ranger de uma mortalha, A enxada do coveiro que trabalha A revolver o pó. Não te maldigo, não!... Em vasto campo Julguei-te — estrela, — e eras — pirilampo Em meio à cerração... Prometeu — quis dar luz à fria argila... Não pude... Pede a Deus, louca Dalila, A luz da redenção!! ...

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