Castro Alves


Qual Leão

Recitada pelo aluno Antônio de Castro Alves no Outeiro que teve lugar no Ginásio Baiano a 3 de julho de 1861
I Qual leão encostado à dura rocha Da grande serra, onde o senhor habita, Vestido de áurea juba reluzente, O débil caçador ao longe fita; E grande e generosa que podia De momento em seu sangue se banhar, Deixa-o seguir com pena o seu destino Sem seu poder e forças lhe mostrar: Tal o Brasil sentado junto às margens Do verde oceano que seus pés lhe beija, E recostado sobre o alto Ande Que além nos ares, pelo céu flameja. Vestido desse manto lindo e belo Que nunca o frio inverno desbotou; Bordado dos diamantes, do ouro fino, Das lindas flores com que Deus o ornou; Viu chegar-se de Lísia a cruel gente Batida pelos ventos e tufão, Débeis de forças, débeis de esperança, E apenas merecendo compaixão; Deixa-os entrar nos bosques gigantescos; Deixa-os gozar dos puros céus de anil; Deixa-os fruir de todas as riquezas, Que o mundo antigo inveja do Brasil. II Mas o gigante que amigo Unira alegre consigo O peregrino estrangeiro, Em breve sentiu, raivoso, Seu colo altivo, orgulhoso, Sob triste cativeiro. Sentiu em breve o grilhão Da mais torpe servidão Atar-lhe a fronte sob'rana; Essa fronte majestosa A quem coroa formosa Dava a gente Americana! Mas perdendo o sangue frio, Recordando o antigo brio, O seu antigo valor; S'ergue súbito da terra E exclama com voz que aterra Ardente d'ira e furor: "Lísia, que fostes o horror Dos povos de outro equador Com teu imenso poder; Que com as tuas falanges Às Índias, que banha o Ganges, Fizeste humilde tremer; "Sabe que a Índia de agora Tem outra mais bela aurora; São Índias, mas do Amazonas, Sabe que eu sou o Brasil; Tenho povo senhoril Como não têm outras zonas. "Se o índio, o negro africano, E mesmo o perito Hispano Tem sofrido servidão; Ah! Não pode ser escravo Quem nasceu no solo bravo Da brasileira região! E ei-lo já arrojante De sangue imigo espumante A destruir, a matar; Busca de todos os lados Os mandões que, amedrontados, Caem na terra e no mar. Uns Lusitanos já correm, Outros aos golpes já morrem Deste novo Adamastor; Não podendo já mostrar O seu valor militar Tremem feridos de horror. Em Pirajá, em Cabrito, De Lísia já se ouve o grito, Surdos gemidos de dor; Já nem se lembram de glória, Esquecem té a memória Dos seus feitos de valor. Uns acham vida fugindo, Outros morrem, mas sentindo Os pulsos do Brasileiro; Então conhecem, medrosos, Que para peitos briosos É quimera o cativeiro. Então soberbo o gigante Com sua fronte brilhante As suas armas deixou; E levantando os troféus Clama ousado para os céus: — Lísia, sim, já livre sou —.

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