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Página atualizada em 16.10.1999

 
Capinan
 


Capinan faz ópera da odisséia tropical brasileira 

Compositor, médico e sonhador, ele prepara a celebração multimídia dos 500 anos do País
 
JANAINA ROCHA 
Especial para o Estado de São Paulo,
16.10.1999

 

 

O poeta não mente. A afirmação é de Capinan, um grande poeta baiano da música popular brasileira. "Como ser falso o caminho, a mensagem é luminosa, flui?", continua profetizando. Compositor, pedagogo, médico e sonhador, ele também foi um dos integrantes do movimento tropicalista e secretário da Cultura do Estado da Bahia (em 1987). Hoje e sempre poeta, ele prepara, com o compositor Fernando Cerqueira e o professor Paulo Dourado da Universidade Federal da Bahia, a ópera Rei Brazil, 500 anos - Uma Odisséia Tropical, uma celebração multimídia da descoberta de Pindorama. O espetáculo será apresentado no ano 2000, no mês do aniversário de 500 anos do País. 

          O poeta está, por opção, free lance. Continua compondo, mas em ritmo menor. Por causa do seu afastamento do Rio e de São Paulo, ficou fora do ambiente de circulação dos seus principais parceiros. O mais recente é Geraldo Azevedo, que sempre solicita canções para ele. No entanto, compõe em parceria com autores locais como Edil Pacheco e Vevé Calazans. "Essas composições ficam fora do interesse atual (a axé music) do que se grava na Bahia", afirma. Além disso, está escrevendo um texto sobre ecologia e cultura popular para um livro sobre o litoral norte da Bahia.
Timidez no palco - Capinan quase não canta em público. Ano passado, no Teatro Denoy de Oliveira, ao lado do amigo e compositor Gereba, desafiou-se. "Eu não canto, sou um poeta, me digo poeta, me sinto como e quero ser poeta", definiu-se para os fãs. "O palco é um esforço, um desafio para vencer uma timidez profunda e o medo de errar." E os bastidores foram a sua escolha para expressar o talento grandioso.
Um exemplar recente (e conhecido) de sua obra é a canção La Lune de Gorée, presente no disco Quanta, de Gilberto Gil. Capinan escreveu-a durante a viagem para a Ilha de Gorée, quando visitava a cidade de Dacar. "Ao conhecer a Maison des Esclaves, tive a sensação de já ter estado naquele local", recorda. "A impressão foi tão profunda que, à noite, na solidão do hotel, os eguns me ditaram em francês a letra que Gil musicou; ou o poeta Senhor me ditou." 
"Quando volto às minhas lembranças, procuro a lucidez de como foi o processo", acredita. Esse processo, ao qual Capinan se refere, foi a construção da sua identidade de poeta e de homem, que se entranhou significativamente na música popular brasileira. E muito mais, como por exemplo, promoveu também a criação de clássicos nacionais, como Ponteio (com Edu Lobo), em 1967, e Papel Marchê (com João Bosco), em 1985.
"A minha vida muda completamente quando entro na universidade", declara, referindo-se às diversas passagens pelo meio acadêmico em certa fase da sua vida. Fez três cursos de graduação: pedagogia, direito e medicina. Aos 18 anos, José Carlos Capinan já era pedagogo. Seguiu a primeira carreira por uma tradição de família. Nesse curso, ele viveu o primeiro grande conflito. "Era muito doloroso dividir-me entre a vida do interior e da capital", conta. Apaixonou-se por Salvador. "Uma cidade que eu vi se desenvolver, onde tive envolvimento com outras linguagens, onde comecei a gostar de cinema." Várias influências marcaram a poesia de Capinan.
"Nas praças de Salvador circulava não só a riqueza da cidade, mas a cultural", lembra. Foi na capital baiana que teve contato a obra do poeta cordelista Cuíca de Santo Amaro. No ir e vir para sua casa no interior, ele o conheceu. Segundo Capinan, o cordelista tinha uma característica incomum: falava do mundo urbano da cidade baiana. Em geral, esse tipo de poesia trata de temas de origem rural. Capinan observou-o calado. O seu exercício com a palavra era somente escrito. 
Depois de lecionar por um ano no interior, voltou para Salvador e iniciou o curso de direito, em 1960. "O Brasil vivia um momento de dilatação da sociedade no sentido de desejar a liberdade e o desenvolvimento, um período pós-Juscelino", analisa. Entendeu e traduziu a política - os valores do capitalismo e do socialismo - e conheceu os futuros parceiros. Foi aí que teve contato com o fruto cultural plantado por Gláuber Rocha e sua geração. "Quando calouro, fui abordado por João Ubaldo, que me pedia votos para a esquerda no diretório acadêmico." Assim entrou para o Partido Comunista. Hoje, acredita que o mundo pode ser melhor com as propostas do Partido Verde. Com Tom Zé, escreveu a peça Bumba-Meu-Boi. E escandalizaram a comunidade conservadora baiana. Teve de ir para o Rio. Em 1967, venceu o 3º Festival da MPB da TV Record, com Ponteio. Com Gil, fez Miserere Nobis - um dos hinos da Tropicália -, em 1968. No outro ano, concorreu com Gotham City (com Jards Macalé) e recebeu muitas vaias. 
Palavra e amor - Com o regime militar, Capinan não teve escolhas. Viveu um novo conflito. Não queria a vida de publicitário (foi a opção) nem a luta armada. Um fato foi decisivo: uma surra no Leblon. E voltou para Salvador para fazer medicina. "Depois de um período de quase suicídio, reencontrei-me com a palavra e com o amor: `Cores do mar, festa do sol; vida é fazer todo sonho brilhar'", recita Papel Marchê, um dos exemplos da retomada da poesia. E muitas outras parcerias com Gil, Edu Lobo e Paulinho da Viola - com este fez bela obra como Prisma Luminoso. Além de Suely Costa, Joyce, Chico Buarque e Abel Silva. Somente em 1995, Capinan publicou seus livros de poesia, Inquisitorial (escrito em 1967) e Confissões de Narciso.
A nova obra de Capinan, Rei Brazil, criada em parceria com Fernando Cerqueira e Paulo Dourado, deve ser apresentada para 100 mil pessoas. "Teremos mais de 300 participantes, entre músicos, bailarinos, atores, orquestras sinfônica e filarmônica, uma banda pop-rock e um bloco de percussão", conta. A princípio, seria uma missa. Com o convite feito pela Universidade Federal de Música da Bahia, a idéia evoluiu e tornou-se um espetáculo popular multimídia, com a base em um libreto, feito por ele, composições de Cerqueira e encenação de Dourado.


          A história se passa num desfile de escola de samba, que narra a histórica viagem de Pedro Álvares Cabral, desde o Tejo em Lisboa até o Monte Pascoal, com a descoberta do Brasil, em 21 de abril de 1500. Um menino de rua, Brasil, deseja participar do desfile, representando Peri, para fazer par romântico da ópera Il Guarani com Ceci. O garoto rouba o ponteiro do relógio 2000, que marca a contagem regressiva das comemorações do evento histórico, provocando uma viagem descontínua no tempo para diversos momentos da história brasileira e do mundo. Brasil, no entanto, encontra o passado e o deseja transformar, rezando e pedindo pelo futuro do País na Primeira Missa, celebrada na Coroa Vermelha: "Se eu pudesse atrasaria/ Este relógio dois mil/ Pra rezar na primeira missa/Pelo futuro do Brasil."



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