Angela Carneiro
Pai
morreu meu pai
mas o poema da sua morte não sai
está aqui atravancado
engarrafando minhas letras
Devia canalizar sua perda
dar forma ao seu espírito
transformar seu sono
em algo lírico
Mas desde que morreu meu pai
e faz mais de ano
Meu Deus!como ainda o amo!
a beleza da mortal dor não sai
seu corpo em sono me volta
o choro solta
só sei dizer ai.
Será isso que escrevo o poema prometido?
Será finalmente agora
a hora do que foi sentido?
Preciso deste poema
preciso lembrar sua partida
mas,quando lembro seu rosto adormecido
só sai o poema
da sua vida.
Meu pai era grande, enorme
é tão bom ter um pai grande
um abraço cobertor
mão que encolhe a nossa
olhar para o alto quando se pede desculpas
ouvir sua voz grossa.
(como pode tanto homem caber em caixa tão pequena?
Suas cinzas na madeira clara não deviam estar lá
e sim fazer plantar uma flor nobre e rara)
A madrugada, o susto, a dor.
Cadê meu abraço cobertor?
Os pêsames ingleses são mais gentis
os telefonemas interurbanos mais sutis.
Morte anunciada num pedido de pizza...
senti a pista do adeus
mas nada fiz.
A policial foi meiga,
o legista competente
o agente funerário
naquele internacional calvário
era quase gente
saído de um texto de Dickens, alto como meu pai, branco de chuva
negro nas capas
sua voz pausada
como tapas.
Meu pai morreu feliz
Tinha as filhas em Londres por sorteio
a mulher amada ao seu lado
tinha,na véspera, se embriagado
vinho francês, boa safra
nada restou na garrafa
seu diário continha planos
de lá voltar para o ano.
Mas foi outra a viagem
no avião, apenas sua bagagem
Meu pai só queria viajar
o coração não prestava, enchia os pulmões de sangue
e ele queria comer churrasco e não fazer fiasco no amor
terminou seu programa dormindo em sua cama
com um sorriso tranquilo e um filete de vinho e sangue.
Que raiva que me dá!
Não posso te perdoar por me deixar órfã
de sua voz
meus filhos sem o vovô
que dava beijos e broncas
Você tinha tanto para fazer com eles!
Cadê a Disneylândia que prometeu?
Cadê sua mão enorme de carinho e palmada?
Cadê você, papai?
Eu ainda sou tão pequena
estou perdida na faculdade
lá só tem o seu busto em bronze
aquele que eu destestava pois em vida me lembrava
que você ía morrer.
Posso até dizer que foi melhor assim.
não sou egoísta, sou artista e crente
fui cursilhista e acredito em vida após a morte
e por sorte,você foi bom.
Meu discurso é piedoso e inteligente
posso até dizer-me carente mas olho pro céu
como te olhava tão alto
suspiro, foi esperto fugindo aqui perto
Não viu que seu voto para presidente
foi cuspido por um indecente
não viu que sua irmã decidiu a todos atormentar
só falava em se suicidar.
Mas também você perdeu!
Você ia adorar a linha vermelha
ia dizer "formidável!" franzindo a sobrancelha
e perdeu o Coquetel, um programa de TV
como muitos seios a mostra
bem como você gosta
E a seleção de volei? Esta foi sua maior falha
você não ver a nossa medalha.
Será que você vestiria preto naquele domingo?
Ah, meu pai,eu ia me orgulhar se te visse de luto
teríamos caminhado de mãos dadas na orla
por este país defunto
Ah,paizinho, se eu pudesse
te trazia nas minhas preces só pra ver as coisas boas
com olhos turistas eu te mostraria que o Brasil pode ter jeito
que a garotada está mudada
são índios de rosto em pintura
se chamam de caras-pintadas
são outras criaturas.
Você era tão grande
que o coração cansou de bombear.
Olha pai,não quero mais te cansar
sei que ando reclamando de falta de grana
de excesso de preocupação
mas, não liga não,pode deixar
pois se você me ensinou alguma coisa
essa coisa foi lutar.
Feliz dias dos pais, meu querido, Meuzinho, meu
velho, meu papai Darcy!
Beijos carinhosos de sua sempre filhinha caçula e
pequena. Sinto falta docê,pai!
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