in Jornal do Brasil,
Idéias, 14 de agosto de 1999
Poeta no tumulto do mundo
Carlos Ávila mostra porque se amadurece para ser jovem
BISSEXTO SENTIDO
Carlos Ávila
Perspectiva, 174 páginas
R$ 18
PEDRO MACIEL
Para ser jovem é
preciso envelhecer. Ou como diz Jean Cocteau, a juventude é algo
que a gente só adquire na maturidade. Carlos Avila apresenta-se
mais jovem em livro Asperos que compõem com Sinal de menos
e Aqui e agora, a coletânea Bissexto sentido, da coleção
Signos, dirigida por Haroldo de Campos. Ásperos traz poemas
menos fragmentados e que jamais envelhecerão. Poemas que tratam
do tumulto da vida, da morte e do tédio, do dizer e do "não-dizer
através do não- canto", do sem-sentido das coisas, que "aponta
sempre para um sentido outro". Sinal de menos e Aqui e agora,
publicados na década passada, revelam um poeta alinhado aos conceitos
e preconceitos dos concretistas.
Carlos sempre seguiu a linha
construtivista dos poetas lúcidos, investiu em experimentalismos
plásticos e sonoros, manejou o signo verbal com esquadro e compasso.
Carlos superou a herança dos poetas concretistas, que tratam a palavra
como se fosse apenas um meio visual de contar as coisas. O poeta não
precisa necessariamente contar uma história para revelar a manha
de um novo dia ou para clarear as sombras da vida que poderia ter sido.
O poeta, "um homem sem profissao/ tenta o impossível: escrever um
poema/ a luz/ (fraca e fria)/ nao aquece o seu coração".
Carlos Ávila troca
a legião dos beletristes pelo bissexto sentido"; troca o plano-piloto
dos concretistas por uma poética construtiva, voltada ao "exercício/
(ainda)/ de palavras/ num deserto de possíveis". Transformou-se
num poeta lúdico, atento ao que se quer dizer com todas as letras
e não só atento em como dizer com todas as letras. Constroe
liricamente a vida, "mero acaso bio-cósmico", sugere o caos, o nada,
o fim do mundo que "pode ser o fim de um mundo". Desfaz das fórmulas
achadas, da tradição que vem de Oswald de Andrade, Joao Cabral
e da poesia concreta e propoe uma poesia que "subentende vida/ para que
sobreviva".
O poeta envelhece com as
desilusões, os subterfúgios, os sonhos e rejuvenesce para
desmascarar o que foi calado e negado. Não tem noção
exata do que quer expressar até que descubra as palavras que vão
dar ritmo ao poema. Com Bissexto Sentido, nasce um poeta em busca
do essencial e da sensação. O poeta que apenas traçava
com rigor o espaço gráfico, "contra uma poesia de expressão"
e a favor do "realismo total", encontra a medida, o ritmo e a melodia para
expressar o sentimento das coisas e a substância da vida.
Pedro Maciel é
poeta e jornalista
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