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Caymmi
 

Poemas

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Escreveram sobre Caymmi:

      Marielson Carvalho

É doce viver do mar 
 
CAYMMI, 85

Marielson Carvalho
in A Tarde, Cultural
24/04/99
 

Acontece que ele é baiano, mas sua obra não é. Suas canções sobre o mar, pescadores, vendedores como a preta do acarajé ou o mercador de acaçá, sobre musas como Marina, Adalgisa ou Juliana são patrimônio da cultura de todo o Brasil. E desde O que é que a baiana tem? suas composições vêm representando o país no exterior. Dorival Caymmi completa 85 anos no próximo dia 30.
  Radicado no Rio de Janeiro, desde 1938, o compositor mata as saudades da Bahia cantando sua gente e sua paisagem. Pai dos músicos Danilo e Dori e da intérprete Nana, Caymmi é considerado um dos mais importantes compositores brasileiros deste século. Nessa entrevista exclusiva, por telefone, Caymmi fala a Marielson Carvalho sobre os bastidores de tantos sucessos musicais, a inspiração, o convívio com artistas e personalidades do cenário cultural brasileiro, além de comentar os trabalhos de Adriana Calcanhoto e Jussara Silveira, artistas da nova geração que o reverenciam. 

Marielson Carvalho - Como foi o seu primeiro contato com o mar?
  Dorival Caymmi - Em princípio, eu sou de uma família que gostava de mar. Meus parentes, tios e primos veraneavam no Rio Vermelho e Amaralina, praias distantes da cidade. Então, eu, muito pequeno, passava férias lá. Via o mar com grande prazer. Meu pai trabalhava na alfândega. No cais do porto, ele era fiscal de navios mercantes, de modo que, no ambiente familiar, ele contava histórias do mar e dos homens do mar. E isso me encantava. 
  M.C. - Como a praia de Itapuã entrou na sua vida? 
  D.C. - Ah, nem me lembre disso. Foi maravilhoso! Eu tinha 16 para 17 anos. A família do Senhor Lisboa freqüentava muito Itapuã nas férias. Alugava uma casa de pescadores e ficava lá durante dias. Ele me falava da beleza do lugar e me convidou para ir de caminhão. Quando cheguei lá, fiquei impressionado com a paisagem. Era um paraíso. 
  M.C. - O senhor só ia lá nas férias?
  D.C. - No começo, sim. Mas, depois de ter conhecido o local e os pescadores, além da vontade de estar lá sempre, debaixo do coqueiro, deitado na cama de lona, dormindo sossegado e embalado pelas ondas, eu comecei a freqüentar nos fins de semana. Eu e minha turma pegávamos o bonde até Amaralina e, de lá, íamos a pé pela areia até Itapuã.
  M.C. - Como era a vida em Itapuã nessa época?
  D.C. - Era uma paz que nenhum lugar do mundo tinha. Hoje tudo mudou. Não conheço mais Itapuã. Eu tento passar, em minha música, o que foi Itapuã. Me lembro, agora, que Noite de Temporal foi a primeira canção que fiz lá. Só pra você ter a idéia da calma de Itapuã, do recolhimento, basta dizer que as meninas tomavam banho nuas, claro, longe da vila. A gente já sabia disso e ficava escondido. Quando elas saíam d’água, era uma beleza, pareciam sereias, tudo natural. Hoje, o que se vê é uma beleza artificial, não é?
  M.C. - Vejo os pescadores de suas canções como heróis.
  D.C. - E são. A vontade desses homens em trabalhar é de impressionar. Para eles não têm tempo ruim (cantarola) É doce morrer no mar/ nas ondas verdes do mar... João Valentão é um personagem inspirado em um pescador com nome de peixe, Carapeba. Ele era alto, negro e bastante forte. Todos tinham medo dele. Um dia marquei de acompanhá-lo numa pescaria, com saída de manhãzinha e retorno à noite. Eu não fui. Ele ficou me esperando. Noutro dia, quando ele me viu, reclamou, dizendo ter me esperado. Por isso, estava muito irritado. Eu saí correndo (risos). 
  M.C. - O senhor também gosta de pintar?
  D.C. - Desde menino que desenho, mas fazia aquelas coisas de crianças. Até que um dia, eu tinha entre 10 e 14 anos, desenhei um casario. Minha professora viu e elogiou bastante. Já adulto, fiz um curso noturno na Escola de Belas Artes, pagando 5 mil réis por ano. De graça. Eu ia quando podia. Comecei fazendo retratos de amigos e parentes. Depois, pintei elementos de minhas músicas. Ultimamente, eu tenho pintado pouco, mas encaro isso como uma atividade prazerosa, além de compor.
  M.C. - Por falar em compor, em 1997 foi lançado um CD com gravações inéditas de antigos sucessos seus. O senhor pretende fazer um CD só com novas canções?
  D.C. - Não tenho músicas novas suficientes para produzir um CD. Só ponho um trabalho na rua quando eu sinto que o povo vai gostar. Eu e Danilo (Caymmi, seu filho) estamos compondo uma música, cujo tema é o mar, mas com outra perspectiva da que você conhece. Por enquanto, é segredo.
  M.C. - Como o senhor vê a atual música baiana?
  D.C. - Eu aceito as coisas como elas naturalmente vêm. Na minha época, as músicas vinham da boca do povo, e isso me encantava. Você conhece essa? (cantarola) Ô a mão da flô/Ô Fulô/Ô tira mão da flô-o... Não é lindo? É um samba que eu ouvia sempre. E essa: É de madeira/Que se tira dos cavacos/Ô sinhô Ciriaco/Ô sinhô Ciriaco. Hoje, na Bahia, tentam reproduzir essa música de povo com arranjos e intenções diferentes, mas não tem nada a ver com a malícia respeitosa daqueles tempos.
  M.C. - Como surgiu a idéia de escrever Cancioneiro da Bahia?
  D.C. - Sempre sonhei em colocar em livro todas as minhas composições. Jorge Amado editava seus livros pela Martins Fontes e, ao ouvir meu desejo, falou com o editor, que mandou logo imprimir. Foi um sucesso. Só pela Martins foram sete edições. Depois, a Record comprou os direitos, mas se encontra esgotado.
  M.C. - Canções como Saudade da Bahia mostram um Caymmi saudoso da terra natal. Qual é o significado dessa saudade?
  D.C. - O de não poder voltar mais ao que era antes. Fisicamente, eu não posso. Mas, na lembrança, sim. Quando muitos pensam que não vou à Bahia, aí é que eu estou lá. As casas onde morei com minha gente eu as recupero com intensidade, quando corro as ruas do Carmo, da Saúde... No Rio de Janeiro, em 1938, logo depois de chegar da Bahia, eu senti saudade da minha terra. Compus Saudade de Itapuã e Saudade da Bahia para afagar meu coração. 
  M.C. - Como foi seu convívio com Carmem Miranda?
  D.C. - Ah, era um doce de pessoa. Uma grande artista. Depois que trabalhamos juntos no filme e no disco que popularizou O que é que a baiana tem?, nós nos tornamos grandes amigos. Ela passava de carro em frente à pensão onde eu morava e me chamava para sair. O povo da rua se alvoroçava. E lá íamos nós para os lugares mais badalados do Rio. Os invejosos perguntavam quem era aquele homem ao lado de Carmem Miranda. Diziam que era um baiano que estava tirando eles de linha. O baiano era eu (risos).
  M.C. - Como o senhor vê o interesse de estudiosos sobre sua obra, especificamente, o de Antônio Risério, autor de Caymmi: uma utopia de lugar?
  D.C. - Ah, é um trabalho bem feito. Ele e Tuzé de Abreu fizeram uma análise primorosa de O Mar. O Risério é muito inteligente, gosto do seu trabalho.
  M.C. - E intérpretes como Adriana Calcanhoto e Jussara Silveira?
  D.C. - Eu fui apresentado a Jussara por intermédio de um amigo de Danilo. Ela me disse que se interessava por minhas músicas e queria gravar um CD. Eu disse, ‘à vontade’. Hoje eu estava ouvindo umas faixas de seu disco. Adriana me convidou para participar do seu disco Maritmo. Inclusive, ela foi inteligente ao fazer o jogo de palavras.
  M.C. - Com é completar 85 anos?
  D.C. - Com a força e a proteção de Nossa Senhora da Conceição e de Senhor do Bonfim, além de Xangô, eu estarei firme por muito tempo.
 

 
Marielson Carvalho é graduando de Letras (Ufba), videomaker, ficcionista e produtor cultural.


Nota [e veneno] do JP:
Caymmi não está
na Antologia do Assis Brasil

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