Cristiano Cartaxo

No Cimo da Montanha
 
 
Até que enfim cheguei ao cimo da montanha 
após uma jornada extensa e fatigante. 
Passeio o olhar em torno e, pronto, o olhar apanha 
tudo que a vida tem de belo e contrastante. 

Possa ao menos fixar alguns dos instantâneos 
que mais funda impressão me causam; os ouvidos 
fechados  ao rumor de vozes e ruídos 
onde há ranger de dentes e estalejar de crânios. 

Embaixo avisto o vale imenso, entrecortado 
em várias direções de rios e de estradas. 
Crianças a brincar imitando o bailado 
das borboletas, indo e vindo em revoadas. 

Ônibus, caminhões, caminhonetes e autos, 
de cidade em cidade, a correr, a voar. 
E,  sem matar ninguém,  nem pedestres incautos, 
carros de bois gemendo ao sol, cantando ao luar. 

Aqui, ali, além, em meio das encostas, 
mulheres, colo e mãos, tendo jóias e anéis, 
passam cantando e rindo, enquanto em mãos postas 
outras sobem, sentindo embora em sangue os pés. 

Entre umas e outras vejo o número daquelas 
que, no desabrochar primaveril da idade, 
o mundo as seduziu, porque moças e belas, 
e  arrependidas, hoje, inclinam-se à verdade. 

Homens a pelejar com paciência e denodo 
no afã de conquistar o pão de cada dia; 
outros, sem um ideal, espojam-se no lodo, 
lançam-se a tudo o mais no turbilhão da orgia. 

Alguém, que pouco faz passeava na avenida, 
sobe um arranha-céu.. e do ponto mais alto 
arremessa-se ao chão e morre sobre o asfalto 
tão só porque não deu elevação à vida. 

 
 
 
II

                  Alongo mais o olhar e avisto o campo santo, 
                  leito derradeiro em que a morte nos deita... 
                  e em que a matéria sofre aos poucos, tanto e tanto, 
                  as decomposições a que ela está sujeita. 
  
                  Ali repousarão um dia os meus destroços. 
                  Que importa que, voraz, a multidão dos vermes 
                  passeie sobre o meu corpo, os meus membros inermes, 
                  sugue-me o sangue, coma-me a carne e roa-me os ossos! 
                    
                  Ensinaram-me a ciência e a fé os dogmas seus: 
                  Se o corpo está sujeito à ação da gravidade, 
                  o espírito obedece às leis da eternidade: 
                  aquele volve à terra, este se eleva a Deus! 
                    
                  Por isso é que daqui, do cimo da montanha, 
                  em que estou mais perto do céu vasto e profundo, 
                  sinto-me bem, pesar da dor que me acompanha, 
                  em vendo tão pequeno e tão vazio o mundo. 
                    
                  Homens, que aí viveis como vermes de rastros. 
                  E vos vangloriais - cegos que sois de ateus - 
                  erguei o olhar aos céus, bebei a luz dos astros, 
                  acendei vossa fé nas lâmpadas de Deus. 
                    
                  Para se conseguir excelência tamanha 
                  basta amar, basta amar e sofrer, só e só, 
                  no fervor de ascender, cada vez mais, do pó. 
                  Como é consolador  o cimo da montanha! 
                    
                  E eu amei.. e eu sofri... Eu tenho os pés feridos 
                  nas sarças do caminho. Eu guardo dentro d’alma 
                  a ressonância, os ais de todos os gemidos, 
                  as preces dos que ouvi pedindo amor e calma. 
   
                  Graças vos dou, meu Deus, graças vos dou, Senhor, 
                  por sentir  que me ergui dos abismos da treva, 
                  por sentir mais intensa essa luz que me eleva, 
                  suave irradiação do vosso imenso amor.

 
                                        
Remetente: Zé Pesado

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 Página editada  por  Alisson de Castro,  Jornal de Poesia,  14  de  Maio  de  1998