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Página atualizada em 27.5.2000
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Carmo Chagas
 
Catas de Aluvião, de Affonso Ávila, traz um panorama da história e da cultura das Gerais, terra que, no dizer do poeta, jornalista e ensaísta, `queiramos ou não, nos coube insulada neste Brasil continente'

in O Estado de São Paulo
27/5/2000
Há quase meio século se louva em Minas Gerais o poder da criação de Affonso Ávila. Fora de Minas, os meios culturais ecoam por esse tempo igual louvor, em especial entre os que amam a poesia, têm apreço pelo barroco e dão atenção aos registros literários. Poeta, pesquisador, agitador cultural, jornalista, intelectual politicamente engajado quando a circunstância assim clamava, ensaísta, palestrista, Affonso Ávila é um desses homens de inteligência em permanente compromisso com a vida à sua volta, atuante no meio em que circula, atento ao fenômeno importante que acaba de surgir e ao que existiu remotamente. 
Desde seu primeiro livro - O Açude, de 1953, que trazia acoplado no mesmo volume os Sonetos da Descoberta -, impressiona nele a habilidade de penetrar "surdamente no reino das palavras", como bem disse Carlos Drummond de Andrade ao sintetizar a arte poética, numa referência genérica que poderia ser específica do que Affonso Ávila vem escrevendo. Nos artigos, nos ensaios, nos pronunciamentos, ele é sempre e sobretudo o poeta, em tempo integral, alguém que sente o mundo e capta a força das palavras apropriadas para exprimir esse sentir. 
Prova concreta dessa poesia onipresente está no recém-lançado Catas de Aluvião - do Pensar e do Ser em Minas. Trata-se de uma coletânea organizada pelo próprio Affonso Ávila, a partir do que produziu para jornais e disse em solenidades desde meados da década de 1950. A principiar da introdução, em que ele se define como oficial do ofício da escrita, amador e profissional da palavra, a todo momento transparece o prazer pela montagem da frase, pelo encadeamento das idéias, pelo perceber como uma idéia busca seu par, um termo pede sua companhia ideal. 
Profissional do ramo, ele com certeza conhece certas regras básicas da comunicação impressa, como manter o sujeito próximo do verbo, evitar as frases demasiadamente longas, preferir os termos e expressões de uso mais corrente. Conhece, com certeza. Mas volta e meia desrespeita isso tudo e vai casando sorte com porte, clama com reclama, ou mandando o leitor ao dicionário à cata do que seja heurística, dessoramento, ou inventando um dessufoco aqui, um intersígnico ali, para ao final apresentar um argumento inteiro, cristalino, pronto para ser recitado, declamado. 
Por exemplo, o parágrafo final do texto introdutório, na página 13, que começa por saborosa aliteração, dessas que brotam por si: "Nada de nostálgico nestas Catas de Aluvião, apenas Memórias de Ofício, de quem as vem remasterizando como um escafandrista de suas origens e fontes. Catas de Aluvião: uma esteira a olho meu de algum salvo ouro de superfície da terra que, queiramos ou não, nos coube insulada neste Brasil continente. Indícios e sinalizações pessoais do poeta em território de história e palavra: do pensar e do ser em Minas." 
Numa outra leitura, temos nesse livro uma vista panorâmica da história e da cultura de Minas Gerais, com base nos livros que Affonso Ávila comentou desde 1956, principalmente para o "Suplemento Literário" de O Estado de S. Paulo, a convite de Antônio Cândido e com edição de Décio de Almeida Prado. (A propósito, encanta a profusão de gente de fino texto e pensamento inteligente com quem Affonso Ávila sempre trabalhou e conviveu. Como dizem os caipiras, ao falar de semelhantes que se aproximam: se está na réstia, é cebola) Começando pela biografia de Fernão Dias, o fundador das primeiras povoações mineiras, escrita por Affonso de E. Taunay, Catas de Aluvião apresenta a formação e o desenvolvimento de Vila Rica, em ensaio de Sylvio de Vasconcelos, apóia-se no relato do historiador Joaquim Felício dos Santos para mostrar o colonialismo português e a mineração em Diamantina, recorre à importante síntese de Francisco Iglésias e sua Política Econômica do Governo Provincial Mineiro (1835-1889). Texto por texto, Affonso Ávila comenta obras e aproveita para resumir e explicar a história de Minas Gerais. 
Noutra seqüência, encontramos os registros de algumas das mais relevantes criações da literatura mineira, que Affonso Ávila teve oportunidade de comentar à época do lançamento: Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, Fazendeiro do Ar & Poesia Até Agora, de Carlos Drummond de Andrade, O Encontro Marcado, de Fernando Sabino, A Barca dos Homens, de Autran Dourado, Vila dos Confins, de Mário Palmério - só para citar alguns dos vários títulos de alto significado que aparecem em Catas de Aluvião. 
A coletânea da produção jornalística e das palestras de Affonso Ávila resultou em um livro importante, sem dúvida. Brasileiros em geral e mineiros particularmente têm ali uma informação preciosa. Como o ouro das minas. Como a palavra de Affonso Ávila. 

Carmo Chagas é jornalista e autor, entre outros, do livro Vesgo: a longa jornada de um cão à procura de sua dona



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