Cristóvão Falcão


Crisfal
(Fragmento)

Os tempos mudam ventura, bem o sei pelo passar, mas, por minha grã tristura, nenhuns puderam mudar a minha desaventura. Não mudam tempos nem anos ao triste a sua tristeza, antes tenho por certeza que o longo uso dos danos se converte em natureza. Coitado de mim, coitado, pois o meu mal não se amansa com choro nem com cuidado; quem diz que chorar descansa há de ter pouco chorado, que quando as lágrimas são por igual da causa delas virá descanso por elas, mas como descansarão pois que são mais as querelas. Contudo olhos de quem não vive fazendo al chorai mais que os de ninguém que o que é para maior mal tenho já pra maior bem. Lágrimas manso e manso prossigam em seu ofício, que não façam benefício, não servindo de descanso serviram de sacrifício. Minhas lágrimas cansadas, sem descanso nem folgança, a minha triste lembrança vos tem tão aviventadas como morta a esperança. Correi de toda vontade que esta vos não faltará, mas isto como será? pedi-la-ei à saudade, e a saudade me dará. Todos os contentamentos da minha vida passaram, e por fim não me ficaram senão descontentamentos que de mim se contentaram. Destes pelo meu pecado, inda que nunca pequei, a quem amo e amarei nunca desacompanhado me vejo nem me verei. Faz-me esta desconfiança ver meu remédio tardar, e já agora esperar não ousa minha esperança por me mais não magoar. Se por isto desmereço dê-se-me a culpa assim e seja já com a fim que há muito que me conheço aborrecido de mim.


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