Carlos Falck


Primeira Tentativa para a Busca da Infância Perdida

Quanto tempo se esvai pela vidraça agora que a manhã se determina em pássaro e mentira e vai em vôo pra nunca mais sequer imaginar, a branquidão dos muros da infância; quanto tempo depõe-se nesse olhar oceano em vazante, lua em minguante, peixe em quadrante; musa aérea passa em seu navio de vidro e inventa horizontes, e cria rios, e deixa do manto azul as lantejoulas frias que vão boiando em ar e claridade. Quanto tempo... quanto vento desfazendo traços desfazendo braços que retêm rosas; quanto tempo nascendo para ser esquecido, confundido com as nuances sem vida do inverno. Vem primeiro o cavalo de brinquedo e relincha no quintal; tem brida e estribos, tem nos olhos as histórias ouvidas, repetidas; mas se dissolve logo: resta um templo, flor entendida como adeus, rios sob pontes e um trem cheio de ninguém atravessando a solidão de um vale aprendido na Bíblia, cheio de pastores e flautistas, cheio de estampas amarelas dos primeiros livros da escola. E nada sobrevive. E nada pode manter a vida em si como uma pedra olhada num momento de tristeza. O mundo é a cidade da infância: se anda pelas ruas na esperança de ver o mais famoso dos gigantes, ou mesmo o alado alazão que seria mais veloz que o próprio vento e mais constante no rosto, ou no retângulo breve da janela. Eis a cidade: festa, bandeirinhas de papel, o coração se abriga nos ruídos e se perde um pouco nas cores pobres das barracas. Quer-se uma andorinha pousada, um caramujo lento, uma menina de tranças, uma violeta na relva, uma borboleta na brisa; quer-se o mundo inteiro em suas coisas puras, mas apenas instalam o telefone; e nada sabem do pranto se em vez de lágrimas se deixa de falar: as mãos puxando a gola de um marinheiro sem mar, sem navio, e sem espada, e mesmo sem um mapa de tesouro; dói sempre ter as coisas mutiladas: ser criança é assim. Primeiro vem o cavalo da infância e a lembrança de todas as batalhas havia um corta-vento silencioso que me lembrava os moinhos de Don Quixote; havia, tudo e tudo se perdia na alma do menino que crescia, do menino zangado com os padres, zangado com o rádio, zangado com a escola cheia de castigos. Quanto tempo se esvai entre um menino e um homem. Há entre os dois apenas a lembrança de uma incineração: a dos sonhos. Alertas, as mãos se estendem para sentir no rosto o que se teve como prêmio do tempo... Tudo é chorar, é sentir que se dissolvem as nuvens onde se descobria ilustrações de histórias de Perrault. Um sopro estranho faz rugir as telhas. É a hora branca da manhã que vem. olhos sem destino espiam da escuridão: descobrem um homem triste, um homem em riste um homem que não grita mas se sente tão louco, tão ainda a nascer neste morrer sem trégua do mundo da razão .


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