Claudius Portugal
As Várias Faces de um Espelho
								I
					Alguém disse:
					Ser
					é ter-se tomado
								II
					Já faz algum tempo que não bebo 
					Não distribuo mais os sonhos
					Hoje sinto entorpecidamente minhas dores
					Não tenho mais necessidade de esconder o corpo 
					Para saber do corpo tive de correr estradas 
					e dei a juventude sem exigir amor
					Dentro de todos me perdi da esperança
					Um poema resplandeceu incompreensivelmente 
					Agora o corpo desistiu de procurar entender
					Não escrevo mais palavras para ficar oculto
					Nem guardo dentro do ventre algum segredo
					Nenhuma cicatriz revela a lâmina e a faca
					Não tenho os pesos e as medidas
					Nem para quem quer que seja uma sentença 
					Cada momento traz o seu próprio veneno
					Não inquieto mais o dia de amanhã
					Não me inquieto mais com a dor de hoje
					Há uma hora que as perguntas deixam de existir
					Para um homem não basta o seu próprio corpo 
					Hoje já não há simples vítimas
					Nem inocentes do sangue dos que morrem
					Um poema não é remédio para acalmar o peito
					Um poema não é caminho para pacificar o coração
					Um poema é somente escrito de dias e noites
					Um poema escreve certo por linhas tortas
					Um poema escreve torto por linhas certas
					Um poema escreve linhas por certo tortas
					Meus pés pisam sobre o chão de um cemitério
					Vim colocar flores na minha sepultura
					Há um homem novo nascendo neste rosto
								III
					O que me destrói é minha falta
					de vício
								IV
					Caminho entre sombras
							Meus mortos dormem
					no paraíso
					das ilusões
							— pai mãe irmãos —
					O mar apaga rastros
					Caminho
									O destino
					da estrada é seguir viagem
					Quando escrevo
					o caminho
					sei apenas o meu próprio mal
					e a cúmplice solidão
						dos sentimentos
					Sou um jogo
					( marcado? )
					Luz da saudade futuro me faz
					crer
					o que mais quiser ser
					Sou
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