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Cleberton Santos


 


El duende na poesia dos repentistas
 


Ao repentista Dadinho, In Memoriam.


 

O poeta andaluz Federico García Lorca (1898-1936), em sua conferência intitulada “Teoría y juego del duende”, explica a sua visão sobre um dos fatores que inspiram a criação da arte espanhola, em especial da arte popular. Fala sobre el duende, "este poder misterioso que todos sentem e que nenhum filósofo explica", nas palavras do poeta alemão Goethe.

Em oposição ao anjo e à musa da inspiração clássica, existe no ventre das raças fortes el duende. Na dança, na música ou na poesia falada sentimos a presença del duende que encanta ao público por sua força de criação que extravasa a técnica e a convenção estética.

A figuração da morte é tão presente no imaginário do povo espanhol que el duende só tem sentido se vem acompanhado da certeza da mesma. Pois, é a concretização da idéia de morte que nos impulsiona o desejo verdadeiro de quebrar os limites.
Assim, na poesia falada/cantada encontramos a presença del duende para que se realize a emocionante cumplicidade do público com os versos declamados/cantados pelo menestrel do povo.

De modo peculiar, encontramos na poesia falada a figura do repentista [1] , poeta que cria seus versos de maneira improvisada acompanhado pela música da viola.

Afirma García Lorca que “para buscar el duende não há mapa nem exercício”. Deixando de lado a “formalização” da arte de fazer poesia, os estudos tradicionais e a dependência de alguns poetas que tornam-se reféns das musas, o poeta repentista cria sua arte no improviso, assim como o flamenco também é "el arte de la improvisación".

O sangue quente que pulsa nas veias do repentista ferve na garganta e coloca para fora do seu corpo a experiência singular que é a criação poética de seus versos improvisados, ou seja, sem a técnica da reprodução em escala freqüente e linear.

O corpo vivo que interpreta a poesia é que confere o sentimento del duende que perpassa o artista. Toda vez que o intérprete declama, recria uma nova poesia. Tornando assim, um ato sui generis aquela declamação. Um intérprete enduendado pode transformar poemas frios, sem grandes qualidades literárias, em exaltadas vibrações imagéticas ou sentimentais lembranças apreciadas e compartilhadas pelo público.

Comparando nossa tradição popular, dos repentistas do nordeste, com as danças e canções populares do povo andaluz, percebemos aqui também a imagem da morte presente no sentimento criador do artista popular nordestino. O nordeste, essa região que muitas vezes se apresenta como um lugar inóspito, onde vive um povo de sangue forte que convive severinamente com a presença desdentada da morte, inspirou o poeta pernambucano:

E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
(Fragmento do poema “Vida e Morte Severina”, de João Cabral de Mello Neto)
 

Nas palavras do próprio García Lorca, “a virtude mágica do poema consiste em estar sempre enduendado para batizar com água escura a todos os que o olham, porque com duende é mais fácil amar, compreender...”

El duende provoca o drama da representação através do sofrimento, carregando a arte de imagens vivas que podem levar-nos até a fuga, ou mesmo o confronto, com a realidade que nos cerca.

Do ponto de vista de Federico García Lorca “el duende não se repete, como não se repete as formas do mar na tempestade”, assim a criação do repente [2] ou a perfomance de um declamador é originalmente única. Cada apresentação do artista exige uma nova busca pela “nueva fuerza del duende”.

 



[1] Aquele que faz ou diz coisas de repente, improvisador que executa qualquer música à primeira vista. Homens que declamam e cantam repentes acompanhados de violas nas feiras do país ou outras apresentações públicas. Conforme: Michaelis: Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1998.
[2] Significa o nome que se dá no nordeste a uma quadra ou estrofe improvisada. Ver: XAVIER, Raul. Vocabulário de Poesia. Rio de Janeiro: Imago, 1978.