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Cleberton Santos





A Lucidez Silenciosa de Cleberton Santos


Entrevista concedida à jornalista Ísis Moraes, publicada na Tribuna Cultural 11/09/2005

 

Fúria e lucidez. Memórias, dores, alegrias, paisagens, aromas, leituras, saudades. O homem. Velhas e novas cidades. A marcha surda das ruas. Canções outonais. Quintais solares de águas frescas. Mitos. A Amiga, os lírios roxos de seu corpo. Silêncios de ferro e angústia. Os dias da infância, seus pardais. Um couro de calango estalando ao sol do meio-dia. Fios de sonho. Fios do tempo. É no mistério das coisas simples que está pousada uma das mais belas vozes líricas da nossa produção literária contemporânea. Essa voz, que vem sendo apontada como uma das grandes revelações da nova safra de poetas da Bahia, pertence a Cleberton Santos, poeta sergipano, radicado em Feira de Santana, que acaba de vencer um dos mais importantes prêmios literários do país, o Projeto de Arte e Cultura Banco Capital, ano IV, na categoria Literatura (poesia), com o livro Lucidez Silenciosa, que será publicado no mês de novembro, em Salvador.

Em entrevista à Tribuna Cultural de hoje, o escritor, que é Especialista em Estudos Literários pela Universidade Estadual de Feira de Santana, instituição em que atualmente cumpre Mestrado em Literatura e Diversidade Cultural, fala sobre a premiação, sobre a importância de concursos para os jovens escritores, sobre seu fazer poético, sobre as dificuldades de se publicar livros, sobre o panorama literário baiano, sobre suas referências literárias. E como não poderia deixar de ser, destila um pouco da fina e admirável ironia que lhe é peculiar: “Boa literatura é aquela feita para ser arte. O resto é diário, súmula teológica, receita de bolo, desabafo de traumas pessoais, discurso político...”

Com os leitores, um poeta de imagens e opiniões fortes, que recita “em voz baixa, surdamente baixa,/ os mistérios de um tempo sem rancores...”

Tribuna Cultural – Como se deu a sua aproximação com a poesia?
Cleberton Santos – Meu primeiro contato lúcido com a poesia foi na quinta série do Colégio Polivalente, em Propriá, minha terra ribeirinha, quando um professor de História levou para a sala de aula o dramático poema Navio Negreiro, do Castro Alves. Fiquei alucinado com aquelas imagens! Descobri a força encantatória das palavras. Aí não parei mais. Virei “sócio” das pequenas bibliotecas públicas de minha cidade e da biblioteca particular do amigo e professor Mário Roberto. Li Pablo Neruda, Vinicius de Moraes, Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade e fui descobrindo os poetas vivos da minha região.

T.C. – Quais as grandes referências de sua poesia?
C.S. – A literatura de todos os tempos e lugares. Mas principalmente poetas contemporâneos como Antonio Brasileiro, Florisvaldo Mattos, Myriam Fraga, Reynaldo Valinho Alvarez e outros da minha geração.

T.C. – Qual a matéria de seu trabalho literário?
C.S. – Minha matéria é tudo. Memória, dor, alegria, leituras, saudades, paisagens, aromas. Quando escrevo procuro a música das palavras. O mistério das coisas simples. O encanto esplendoroso do couro do calango reluzindo ao sol do meio-dia. O resultado é sempre algo diferente do intencionado. E chamo essa coisa de poesia.

T.C. – Como é o seu processo de criação? (Quanto de suor tem nos seus versos e qual parte caberia à Musa, como se costuma dizer?)
C.S. – Quando escrevo uma parte de mim é fúria, outra parte é lucidez. Com o tempo isso se tornou natural. Não sabemos quando estamos no olho do furacão ou quando já domamos os cavalos selvagens da forma. Mas não acredito em poetas que nasceram prontos, iluminados. Até mesmo os cantadores populares aprimoram suas técnicas com o exercício diário da criação. Arte é técnica e paixão. Em síntese é uma lucidez silenciosa. A única Musa que conheço mora lá em casa e se chama Lílian Almeida, companheira das minhas alegrias e dos meus tormentos.

T.C – Quantos livros você já publicou? Sei que pelo menos um dos volumes foi publicado pelo Museu de Arte Contemporânea de Feira de Santana, então, aproveitando, como vê o projeto do MAC, que é coordenado por Edson Machado?
C.S. – Só publiquei um livreto intitulado Ópera Urbana (MAC, 2000). Fora isso tenho poemas, crônicas e artigos em antologias, revistas e jornais culturais. O trabalho do Edson Machado é digno de todas as louvações possíveis. A mídia poderia dar maior visibilidade a esse semeador de livros que trabalha no silêncio da sua admirável tranqüilidade. Sem o trabalho de Edson Machado muitos livros estariam sepultados em silenciosas gavetas.

T.C. – Como você vê a questão da originalidade em literatura?
C.S. – Original é só o que você ainda não conhece. Existem várias formas de se dizer algo. Fazer literatura é buscar sempre o impossível, e isto é ser original.

T.C. – O que você entende por boa literatura? O que poderíamos chamar de um grande poema ou de uma grande narrativa?
C.S. – Boa literatura é aquela feita para ser arte. O resto é diário, súmula teológica, receita de bolo, desabafo de traumas pessoais, discurso político... E o pior de tudo são essas obras que se pretendem bússolas que levarão os homens à felicidade eterna. Um grande poema ou uma grande narrativa é aquela que, lida mil e uma vezes, sempre nos despertará um tumulto de sensações.

T.C. – Então você não vê com “bons olhos” a ascensão dessa literatura (?) que se dedica a “aconselhar” a humanidade, a chamada auto-ajuda?
C.S. – Nem falo muito sobre isso. Meu ego já é muito grande, não preciso ler livros de auto-ajuda, senão vou explodir de tanta potência. Nasci para voar, mas a lei da gravidade é que me atrapalha.

T.C. – Uma das questões mais debatidas atualmente diz respeito à utilidade da poesia. Para que ela serve, afinal? Qual o seu lugar – e o lugar do poeta – nesta época de utilitarismos vãos e pensamentos maquinalmente moldados?
C.S. – Os poetas Octavio Paz e Antonio Brasileiro já escrevem livros importantes sobre esse polêmico tema. Compartilho com a idéia de Ferreira Gullar de que a poesia serve para despertar o que há de humano no homem. O resto é redundância. Cada homem-leitor que encontre a sua utilidade para a poesia. A minha eu já encontrei

T.C. – O que pensa do tratamento dispensado aos escritores baianos, sobretudo os que compõem a nova geração?
C.S. – Essa coisa de tratamento é algo muito particular, por isso não posso generalizar minha experiência. Sou tratado normalmente. Tenho acesso às várias gerações distintas e estabeleço contatos com escritores de todo o Brasil. Fora da Bahia sou muito bem recebido nos meios literários quando me apresentam enquanto jovem escritor baiano. Sem traumas!

T.C. – Como vê o panorama literário baiano e, por extensão, o nacional? Quais os nomes que mais têm se destacado atualmente?
C.S. – Recentemente publiquei um texto no jornal SOPA (editado em Salvador) em que falava da efervescência da literatura baiana atual. Falo do meu tempo. A Bahia sempre revelou grandes nomes para a literatura brasileira. E agora não é diferente. No panorama atual temos poetas e ficcionistas como Aleilton Fonseca, Carlos Ribeiro, Adelice Souza, Luís Antônio Cajazeira Ramos, Roberval Pereyr e outros que já ganharam repercussão nacional. Entre os mais novos, ou seja, meus companheiros de geração, temos o José Inácio Vieira de Melo, João de Moraes Filho, Vanessa Buffone, Eliseu Moreira Paranaguá, Adriano Eysen, Nívia Maria e uma penca de jovens escritores que já estão procurando cada qual seu espaço. Três, três passará... e quem há de ficar?

T.C. – Você, juntamente com outros escritores, tem participado de importantes projetos que muito têm colaborado para a divulgação de novos poetas, como é o caso, por exemplo, do Caruru dos 7 Poetas. Queria que você falasse um pouco deste e de outros trabalhos que vem participando.
C.S. – O Caruru dos 7 Poetas é um projeto idealizado e organizado por João de Moraes Filho e sua companheira Luisa Mahin, que convida sete poetas para celebrarem a poesia e outras manifestações culturais dessa tão plural Bahia. O ano passado esse evento ocorreu em Salvador. Em 2005, será na cidade histórica de Cachoeira. Outros projetos importantes na apresentação de novos poetas e no diálogo de gerações são: o Poesia na Boca da Noite, idealizado e coordenado por José Inácio Vieira de Melo, que acontece uma vez por mês no Restaurante Grande Sertão (Salvador); o Imagem do Verso, coordenado por Eliseu Moreira Paranaguá, que atualmente acontece na Aliança Francesa; e durante o verão baiano temos o projeto Malungos, coordenado pela vencedora do Prêmio Braskem 2005, a poeta Vanessa Buffone; temos outras tantas atividades literárias ocorrendo na capital e no interior que seriam necessários dias para descrevê-las. E nesses projetos que já fui convidado recebi sempre um tratamento “adequado” (risos). Poeta não é mendigo, mas também não é milionário. Acho que Feira precisa melhorar nesse aspecto. Precisa de pessoas que saibam lidar com os poetas. Somos pessoas normais, com necessidades normais. Nem deuses, nem vermes.

T.C. – Você acaba de ganhar um dos mais importantes prêmios literários do país, o do Banco Capital, com o livro Lucidez Silenciosa. O que significa uma premiação como esta para a carreira do jovem escritor que vem sendo apontado como uma das vozes mais promissoras da nova poesia baiana?
C.S. – Em 2002 recebi o Prêmio Escritor Universitário Alceu Amoroso Lima, da Academia Brasileira de Letras. Foi um grande estímulo moral e financeiro. Todo prêmio é sempre um incentivo, uma retomada de fôlego nessa jornada que às vezes é tão desanimadora. O bacana é que agora poderei ter um livro editado com melhores recursos editoriais e sem tirar um centavo do meu bolso. Mas o Brasil é um país de muitos concursos literários importantes, o que falta é a pesquisa por parte de alguns escritores que perdem muito tempo chorando lágrimas de madalena arrependida.

T.C. – Queria que você falasse um pouco sobre o projeto Banco Capital e de como foi o processo de seleção dos trabalhos. Quem participou da comissão julgadora e com quantas obras seu livro concorreu?
C.S. – É um projeto anual que premia várias categorias artísticas (música, artes plásticas e literatura) com a publicação ou exposição das obras vencedoras. O prêmio de literatura está em sua quarta edição. Fizeram parte da comissão julgadora os escritores Aleilton Fonseca, Adelice Souza e Geraldo Maia. Não sei exatamente quantas obras foram inscritas, sei que foram muitas, até por que no Brasil temos um poeta por metro quadrado, não é?

T.C. – Quando o livro será publicado e qual seria a grande importância de prêmios como estes para os jovens escritores que ingressam na difícil jornada de se publicar livros neste país?
C.S. – O lançamento está marcado para o dia 30 de novembro de 2005 (ainda falta combinar lugar e hora com a editora). A importância é viabilizar publicações de melhor qualidade editorial, um certo espaço de divulgação na mídia, e às vezes ainda se ganha um trocado para pagar o preço da vida e realizar outros projetos culturais.

T.C. – Como você vê o mercado editorial brasileiro? Quais as principais dificuldades encontradas por um escritor na hora de lançar um livro?
C.S. – O mercado editorial brasileiro tem crescido muito. São muitas as editoras de grande, médio e pequeno porte no circuito comercial. Temos ainda as editoras universitárias e aquelas criadas por grupos de escritores independentes. São muitos os livros publicados no Brasil todo ano. Quanto às dificuldades, temos a questão do pouco espaço na “mídia” (que gosta de assassinos, estupradores e ladrões), com pouquíssimas exceções. Outro problema é a difícil circulação dos livros pelo território nacional. Mas com tudo isso, e mais alguns galhos quebrados, os escritores continuam lançando livros, livros à mão cheia. Talvez tenhamos mais escritores do que leitores!

T.C. – Quais os futuros projetos?
C.S. – Respirar. Sem respirar não há como sonhar. Não há literatura.


 

 

 

 

16/09/2005