Corrêa da Silva
Poema do Garoto Anônimo
Eu quero fazer o elogio do garoto anônimo
das ruas da Cidade de São Luís do Maranhão...
Garoto que nasce nos quartos miseráveis dos cortiços
e que fica analfabeto,
por não ter um livro para estudar...
Garoto que não conhece o pai, não sabe o seu nome
e que é filho de uma dessa mulheres pálidas e tristes;
mulheres magras e maltrapilhas;
mulheres que tossem muito
e que têm as mãos calejadas de tanto trabalhar...
Garoto de "cabelo de espeta-goiaba",
camisa de meia listrada
e calça de riscado bem grosso...
Garoto que não tem nem cubos
e nem patins
nem bicicletas
e nem trens de ferro para brincar...
E que esquecido do resto do mundo,
fica, horas inteiras, sentado nas calçadas,
"pixando" castanhas para as "borrocas";
jogando "marta" para dar bolos...
Eu quero fazer o elogio do garoto anônimo
das ruas da Cidade de São Luís do Maranhão...
Garoto que brinca nas velhas praças,
sob a luz tranqüila das estrelas,
o "Ganzola", o "Leitão Queimado" e o "Boca de Forno"...
Garoto que com os seus "alçapões" e as suas "baladeiras"
é o terror da passarada do Apicum e da Quinta do Barão...
Garoto que às vezes vira pintor
e doido de alegria,
longamente,
arbitrariamente,
desenha com carvão calungas
gozadíssimos
nos muros caiados de novo
ou então risca de giz
os lindos azulejos dos sobradões coloniais...
Eu quero fazer o elogio do garoto anônimo
das ruas da Cidade de São Luís do Maranhão...
Garoto que rouba frutas
dos quintais dos vizinhos e dos tabuleiros dos vendedores,
para matar a fome que o atormenta...
Garoto que, "sem querer", quebra com uma pedrada
a vidraça do bangalô do dr. Fulano de Tal
e depois, guinchando
assobiando
vaiando,
corre,
foge,
desaparece,
mal surge à esquina o primeiro guarda...
Garoto que, nos estribos de todos os bondes,
trepa e salta,
até um dia — coitado! — perder as pernas...
Garoto que não tem medo da lama
e descalço,
molhado,
tremendo de frio,
tira caranguejo
na Camboa do Mato e na Fonte do Bispo...
Eu quero fazer o elogio do garoto anônimo
das ruas da Cidade de São Luís do Maranhão...
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *